sábado, 8 de setembro de 2007

Crônicas de um Pe. francês sobre o Holocausto na Ucrânia

As Crônicas de um Pe. francês sobre o Holocausto na Ucrânia
13.11.2006 // Digest //
por Sarah Wildman,”The Christian Science Monitor,” 9 de Novembro de 2006

"História de fundo: A cruzada de um padre no Holocausto
Patrick Desbois é uma consciência e cronista de um massacre pouco conhecido de Judeus na Ucrânia.

PARIS – As confissões que o Pe. Patrick Desbois recebe não vêm de seus paroquianos. Não são feitas em confessionários fechados. Nem mesmo vêm de seus compatriotas. As palavras que o padre francês ouve são de confissões de aldeões da Ucrânia - as últimas testemunhas do assassínio em massa de judeus numa parte pouco conhecida do Holocausto há mais de 60 anos atrás.

Ele reconta uma história - apenas uma das milhares que ouviu - de uma mulher ucraniana que recebeu ordens dos soldados nazis para cozinhar-lhes o jantar. Enquanto jantavam, os 25 alemães saíram em duplas para assassinar judeus. Quanto todos terminaram de jantar, eles haviam acertado 1,200. Era a primeira vez que a mulher tinha contado a história. "Estas pessoas queriam absolutamente falar antes de morrerem," disse o Padre Desbois das testemunhas. "Eles queriam dizer a verdade."

Pe. Patrick Desbois tornou-se um dos principais cronistas do mundo do que os franceses chamam de 'Shoah par Balles' - 'O Holocausto de balas'. Embora não sendo judeu ou ucraniano, ele gasta metade de seu ano percorrendo a paisagem ucraniana assolada pela pobreza para documentar a aniquilação de dezenas de milhares de judeus nas mãos de grupos volants de Nazis chamados de Einsatzgruppen.

É um trabalho que ele mesmo escolheu,e que levou o jornal israelense Haaretz a descrevê-lo como "Patrick o Santo." Embaraçado, Desbois chama a caracterização de 'midrash' - expressão hebraica para exagero.

O padre, que tem devotado sua vida clerical ao combate do anti-semitismo, está descobrindo, aldeia por aldeia, valas comuns não identificadas da era do Holocausto. Aqui os judeus foram abatidos, um a um, mãe em frente ao filho, filho em frente ao pai.

O "Holocausto das balas" era tão brutal quanto o extermínio de judeus em câmaras de gás, inanição, e de outras maneiras em Auschwitz e outros lugares da Europa. No entanto a profundidade e detalhes da tragédia na Ucrânia apenas recentemente vieram à tona.

Em aldeias locais, adolescentes e crianças foram forçados a ajudar a cavar as covas, arrancar dentes de ouro de vizinhos, e tiravam pilhas de roupas enquanto seus amigos tremiam, aguardando a morte. Estas crianças, agora homens e mulheres idosos, nunca haviam sido questionados sobre o que eles viram, o que eles foram forçados a presenciar. Nunca, isto é, até eles encontrarem um humilde padre andando pelos seus bosques em sua batina.

"Isto é muito, muito importante," diz Edouard Husson, um historiador da Sorbonne em Paris e um consultor de projeto. A originalidade do trabalho de Desbois é que "ele foi o primeiro a ter a idéia de ir até as testemunhas ucranianas - os espectadores."
***

Aos vinte e poucos anos, quando iniciava seu caminho para uma vida de fé, Desbois era perseguido por uma pergunta: "O que Deus quer que eu faça?" Pouco sabia ele então, em meados dos anos de 1970s, que eventualmente ele mesmo responderia à pergunta, ao se tornar uma ponte humana entre o mundo judaico moderno e a Igreja Católica e um principal conduto através do qual o Holocausto seria relembrado.

A jornada de Desbois até os bosques da Ucrânia é enraizada numa rara fé, numa expansiva humanidade, e num vínculo pessoal. Ele nasceu em Burgundy, França, em 1955 numa família profundamente afetada pela ocupação alemã. Dois de seus primos foram deportados pelos Nazistas. Seu avô, como outros 25,000 soldados franceses, foi mantido num campo nas fronteiras da Polônia, Ucrânia e Rússia. "Nós nos sentimos como fazendo parte na mesma história que os judeus," diz Desbois. E ainda assim seu avô sempre dissera que seu internamento não fora nem de longe tão terrível quanto fora para "os outros."

Desbois estudou matemática e passou vários anos anos lecionando em Burkina Faso no oeste da África. Aos 21 anos, ele se uniu ao grupo de Madre Teresa por três meses em Calcutá, cuidando dos moribundos. Quando decidiu dedicar sua vida à Igreja, sua família - não particularmente religiosa - ficou horrorizada.

Depois do seminário, ele seguiu por um breve período a vida de um padre "normal" - realizando batismos e fazendo sermões semanais. Logo foi indicado pelo Cardeal de Lyon para ajudar nas relações entre a Igreja e a comunidade judaica. Desbois já estava estudando judaismo, e começara a aprender hebraico.

Até hoje, ele ajuda a organizar conferências entre católicos e judeus, e lidera jornadas de estudo do Holocausto para jovens católicos e outros estudantes. Numa destas viagens ao fim da década de '90, ele visitou o campo de aprisionamento de seu avô. Um memorial que havia lá estava quase totalmente destruído.

Ao longo de anos, enquanto ele trabalhava para reparar o memorial, ele continuava perguntando sobre "os outros." O prefeito da aldeia mostrou-lhe onde os prisioneiros soviéticos do campo estavam enterrados. "Eu disse, 'OK, [e] onde está as sepulturas em massa dos judeus?' " Desbois recorda. "Ele me disse, 'Eu não sei. Nós nunca as encontramos.' E eu disse, 'Como pode ser que mais de 10,000 judeus tenham sido assassinados na aldeia... e você não sabe?' "

Um prefeito recém-eleito lembrou-se da pergunta de Desbois. Na próxima vez que o padre retornou, 110 fazendeiros estavam a sua espera. "Em um dia, descobri que nós não só podíamos achar as valas comuns com precisão, como podíamos também achar testemunhas que ... estiveram presentes na execução." O prefeito disse que ele ajudaria Desbois a achar as valas comuns nas 100 próximas aldeias. Em 2004, com fundos iniciais da Fundação para a Memória da Shoah, um grupo francês, o projeto Ucrânia nasceu. A equipe de Desbois mapeou 500 sepulturas não identificadas até agora. Ele acredita que outras 1,700 existam.

"Temos o dever de perguntar, 'Onde estão as sepulturas?' " Disse ele simplesmente.
***

O escritório de Desbois é um tanto quanto modesto para um homem. Entrando na parte operária de Paris, em um edifício modernista sombrio, um frágil elevador abre para uma suíte periclitante do escritório. As paredes estão cobertas de images de Jerusalém e um calendário de 2006 de feriados judaicos. Sobre uma mesa repousa uma menorá de bronze maciço com a qual a B'nai B'rith Internacional recentemente o premiou por seu trabalho pelos direitos humanos.

Desbois atende ele mesmo a campanhia. Ele tem cabelos escuros, e suas mãos movem-se continuamente enquanto ele explica seu projeto. Ele está atarefado e cansado. Quarta-feita ele esteva em Londres em um encontro com nove rabinos. Um deles irá supervisionar a pesquisa na Ucrânia. Desbois é cauteloso para que seu trabalho siga a halacha, ou lei judaica.

Desbois conta com uma equipe enxuta. Um estudante na Alemanha vasculha arquivos da polícia, que são então comparados referências nos arquivos soviéticos no Distrito de Colúmbia em Washington(EUA), para contextualizar o período. Então Desbois procura por três testemunhas oculares não relacionadas. Ele se aproxima delas como um padre, em sua batina, com sua maneira gentil. Ele reconstrói os massacres através de seus relatos - onde os judeus andaram, onde os assassinos estavam. Especialistas em balística analisam os cartuchos vazios encontrados nas sepulturas. Cada testemunha é entrevistada, fotografada, e filmada.

"Ele nunca fez ninguém sentir-se culpado," diz Anne-Marie Revcolevschi, diretora da Fundação Francesa da Shoah, que viajou com Desbois. "Ele está apenas tentando entender o que aconteceu."

Desbois tira uma série de álbuns negros cheios de fotografias que poderiam passar por imagens do século XIX. Numa Ucrânia rural, as estradas não são asfaltadas, os rostos das pessoas profundamente marcados por rugas.

Quando a equipe de Desbois chega nas áreas mais remotas, isoladas por estradas cheias de buracos, as pessoas dizem a ele: os Nazistas fizeram o mesmo trajeto, simplesmente para matar. Ele mostra uma foto de um homem idoso chorando. Como outras testemunhas de massacres, este homem viu uma cova "ainda se mexendo" depois de três dias: em todas as aldeias, muitos foram enterrados ainda vivos.

"Não é sempre fácil," diz Desbois de seu trabalho. "E quando é difícil demais, eu sempre penso [no] meu avô [que] esteve aqui por três anos num campo e viu tudo. Eu, eu sou livre." Ele suspira. "O que eu quero é que cada lugar seja respeitado como lugares humanos," diz ele. " Eu quero recuperar a memória porque ninguém foi testemunha [disto] exceto aquelas pessoas que eu encontrei. E elas estão muito idosas. Então nós temos que nos apressar para salvar a memória."

Fonte: The Christian Science Monitor/RISU - Religious Information Service of Ukraine
http://www.risu.org.ua/eng/religion.and.society/digest/article;12790/
http://www.csmonitor.com/2006/1109/p20s01-lire.html
Tradução: Roberto Lucena

Para mais informações(fotos), contribuição de Lise:
http://www.yahadinunum.org/recherches.en.html
Em francês: TF1
http://tf1.lci.fr/infos/monde/europe/0,,3379523,00-enquete-sur-shoah-par-balles-.html

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...