sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Resenha do livro "A Indústria do Holocausto"

Por Maria Luiza Tucci Carneiro*, especial para o iG Ler (igler@ig.com)

O livro "A Indústria do Holocausto", do norte-americano Norman Finkelstein, é um verdadeiro convite ao anti-semitismo, além de ser (ele mesmo) uma indústria captadora de recursos: a primeira tiragem é de 50 mil exemplares. Se para o autor o Holocausto "provou ser uma indispensável bomba ideológica", para nós ele continua a ser um fenômeno humanamente inexplicável.

A obra - que vem causando polêmica em todos os países onde foi publicada - abre trincheiras para os grupos revisionistas, representantes do pensamento da extrema-direita e que negam as câmaras de gás.

O texto se apresenta como uma faca de dois gumes, possibilitando uma leitura dúbia: de um lado, por tratar a questão judaica sobre um viés acusatório, anti-sionista e recuperar (sob nova maquiagem) o mito da conspiração judaica. Tais maquinações anti-semitas causam ainda maior estranheza por expressarem o pensamento de alguém cujos pais sobreviveram ao Gueto de Varsóvia e aos campos de concentração nazista.

Segundo o próprio autor, com exceção de seus pais, todos os membros de ambas as famílias foram exterminados pelos nazistas. Este é, por assim dizer, o outro lado da faca: o que atribui aos sobreviventes do Holocausto um "status de vítima". Mas é como vítima (sem status) que o autor faz jus à tradição americana da denúncia moral.

Em alguns momentos, o autor dá um tom de revolta à sua voz protestando contra a elite judaica americana que "explora" economicamente o Holocausto: daí a dubiedade da narrativa. Para Finkelstein existem duas fases distintas:

1) desde a Segunda Guerra Mundial até 1967: fase delineada por atitudes de menosprezo pelo tema. Nesta época, a elite judaica teria se alinhado à política americana priorizando a Guerra Fria, fazendo vistas grossas à entrada de nazistas no país, além de apoiar o rearmamento de uma Alemanha mal desnazificada.

2) após a guerra de 1967: quando o Holocausto tornou-se uma fixação na vida dos judeus americanos. Diante do "isolamento e vulnerabilidade de Israel" (p.28), a elite judaica teria começado a explorar o Holocausto visando lucros.

O raciocínio de Finkelstein baseia-se na existência de dois grupos distintos de judeus norte-americanos: os que foram "apenas" vítimas do Holocausto e aqueles que conquistaram status explorando a idéia de terem sido vítimas.

Estes seriam os responsáveis pela grosseira exploração do martírio judeu e pela transformação do Holocausto em O Holocausto, definido como uma verdadeira indústria da corrupção.

A idéia é de que esta catástrofe teve desdobramentos possibilitando ao Estado de Israel (definido pelo autor como "um dos maiores poderes militares do mundo, com uma horrenda reputação em direitos humanos") projetar-se como um Estado "vítima", além de oferecer facilidades aos judeus bem-sucedidos dos Estados Unidos, anti-comunistas, por excelência (p. 13).

A plataforma de defesa sustentada pelo autor finca-se no tom de "denúncia" atribuído à sua tese: a de que os judeus americanos estariam explorando a memória do Holocausto transformando-a em um "negócio".

Tanto a dedicatória como a epígrafe que abrem o livro - está última assinada pelo Rabino Arnold Jacob Wolf, da Universidade de Yale - reafirmam a identidade judaica do autor, ao mesmo tempo em que sintetizam a sua proposta: "A mim parece que o Holocausto está sendo vendido - não ensinado".

Tal "denúncia" é tendenciosa ao possibilitar uma "outra" leitura, perigosa no momento em que grupos neonazistas negam as câmaras de gás e os noticiários televisivos sobre a paz no Oriente Médio enfatizam uma abordagem anti-Israel.

Se a idéia de Finkelstein foi de retratar o legado de seus pais, certamente ele não foi feliz. Ademais, não é preciso ter sobrevivido a uma catástrofe (Shoah) para alcançar o grau de tirania praticado pelos nazistas.

"A Indústria do Holocausto" é uma obra rica em estereótipos recuperados dos mais exacerbados libelos anti-semitas, muitos dos quais se prestaram para sustentar uma outra indústria: a da "morte em série" nos campos de extermínio. No rol desta literatura panfletária está os "Protocolos dos Sábios de Sião", leitura de cabeceira de Adolf Hitler e dos neonazistas.

Como documento anti-semita, os Protocolos tentam provar que os judeus conspiram, há séculos, com o objetivo de controlar o mundo. Daí o texto (de origem russa, 1905) enfatizar os "interesses ocultos", conceito parafraseado por Finkelstein, noventa e seis anos depois. O autor (re)administra acusações anti-semitas ao afirmar que a memória do Holocausto está sendo modelada por "interesses investidos" e sendo utilizada para "extorquir dinheiro da Europa" (p.18).

Esta imagem estereotipada dos judeus enquanto "exploradores" e "aproveitadores" de situações trágicas pode ser identificada na maioria dos textos anti-semitas, alguns seculares. Aliás, por coincidência, um dos mais virulentos libelos anti-semitas produzidos no Brasil nos anos 30, leva o título "Indústria de Judeus".

Valendo-se de metáforas extraídas do mundo da industrialização, um diplomata brasileiro apela para a tese dos "agentes judeus" (comparados a força-motriz) que - através de sua astúcia, engenhosidade, destreza e criatividade - conjugavam o seu trabalho ao capital, objetivando o lucro ilícito.

Há também um livro anti-semita "Os judeus do cinema", de Oswaldo Gouvêa (Rio de Janeiro, 1935) que acusa empresas americanas de explorar a indústria cinematográfica. Valendo-se dos "capitalistas judeus da Broadway" teriam se tornado poderosas empresas, com domínio universal. Foi aí que "o Leão da Metro alvoroçou sua juba e deu o primeiro rugido de alarme entre os judeus" (p.74).

Mera coincidência ou não, o mito da conspiração foi retomado por Finkelstein e atualizado no espaço e no tempo histórico.

(*) Maria Luiza Tucci Carneiro é historiadora da Universidade de São Paulo, autora de "Holocausto. Crime contra a Humanidade" (Ática, 2000) e "O Anti-semitismo na Era Vargas" (Brasiliense, 1995, 2a. edição), entre outros.

OBS: Este texto, inédito, será ampliado pela autora para publicação em uma revista da comunidade judaica, para a qual foi originalmente concebido.

Fonte: IG
http://www.ig.com.br/paginas/igler/especiais/finkel/tucci.html

6 comentários:

Anônimo disse...

convite ao antisemitismo?? Parei de ler por aki!!! Essa mulher ke avaliou o livro deve ser puxa-saco de Israel.
Agora so falta chamar o Norman de antisemita!!!

Roberto disse...

Apesar deu não concordar com a linha ou postura adotada pelo Finkelstein, eu não o considero antissemita e tenho várias discordâncias dessa associação de conflito no Oriente Médio com Holocausto, quer seja de um lado (dos que criticam Israel), como do outro lado (dos que defendem meio que de forma acrítica qualquer coisa relativa a Israel).

Esse extremismo em relação a esse assunto(Oriente Médio) só envenena qualquer tipo de entendimento do mesmo, fora o fato de não contribuir pra coisa alguma(nem pra conhecimento).

Só que os "revis" "meio" que(forma de falar) idolatram um autor aparentemente sem nem lê-lo(rs), pois o Finkelstein no livro não nega e nem diminui o Holocausto e vários "revis" o citam como "revisionista" pra dar uma "força" a um movimento político visivelmente marginal(à margem) e racista(o "revisionismo", que nada mais é que um braço ideológico do neonazismo).

Unknown disse...

Em nenhum momento o autor NEGA a existência do holocausto nazista e do seu legado histórico irrefutável. No entanto elenca de forma bem clara argumentos sobre exploração do sofrimento em pauta articulado por uma elite judaica com fins políticos e lucrativos. Isso não tem nada haver com antisemitismo e sim com expediente político. Muito bom o livro, recomendo.

Unknown disse...

Li o livro, não sou judeu, muito menos árabe e não concordo com a avaliação da autora da resenha. Concluo que em nenhum momento o autor NEGA a existência do holocausto nazista e do seu legado histórico irrefutável. No entanto elenca de forma bem clara argumentos sobre exploração do sofrimento em pauta articulado por uma elite judaica com fins políticos e lucrativos. Isso não tem nada haver com antisemitismo e sim com expediente político. Muito bom o livro, recomendo.

Roberto disse...

"Li o livro, não sou judeu, muito menos árabe e não concordo com a avaliação da autora da resenha. Concluo que em nenhum momento o autor NEGA a existência do holocausto nazista e do seu legado histórico irrefutável. No entanto elenca de forma bem clara argumentos sobre exploração do sofrimento em pauta articulado por uma elite judaica com fins políticos e lucrativos. Isso não tem nada haver com antisemitismo e sim com expediente político. Muito bom o livro, recomendo."

Marcelo, esse post é de 2008, eu só não removi porque fica esquisito colocar um texto (de tanto tempo) e remover do blog, mesmo que eu discorde da autora (e discordo). Na época saiu uma série com 3 entrevistas (não lembro da terceira mas sei que a outra era com o Raul Hilberg, no IG) e acho que cheguei a colocar as três, por isso nem dei atenção a esse texto, mas relendo (há algum tempo), há exagero no mesmo pois de fato não há antissemitismo no livro do Finkelstein (já pensei até em fazer um reparo sobre isso mas não valeria a pena, quem ler o post vai acabar lendo a discussão dos comentários e tirando suas próprias conclusões, lendo o livro também) embora eu discorde da forma dele fazer denúncia.

Roberto disse...

Só um adendo porque me irrita muito quando vez por outra chegam aqueles "revis" e simpatizantes e ficam naquele "lunatismo" deles rotulando todo mundo de "judeu" (por conta do antissemitismo deles), eu também não sou judeu, tampouco árabe, e tampouco de direita (já li xingamento em comentário de um cara fazendo pré-julgamento achando que todo mundo aqui é de direita ou "adorador da Globo"). Quando não é muito irritante é até hilário ler os delírios deles rotulando todo mundo (que eles não gostam) de "judeus" por conta do ódio/racismo doentio deles.

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