sábado, 9 de julho de 2011

O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 3

A perspectiva dos mexicanos ante o nacional-socialismo

México foi talvez o país latinoamericano onde o repúdio a Hitler e ao Terceiro Reich se manifestou mais evidentemente. Uma grande parte do povo participou politicamente e tinha ideias social-revolucionárias. Tanto associações comunistas e judias - grupos como a Liga contra o Fachismo [sic] e a Guerra Imperialista ou os Estudantes Socialistas, para os quais a luta contra o fascismo e o nacional-socialismo era de máxima importância - assim como Vicente Lombardo Toledano, chefe da CTM (Confederação de Trabalhadores do México) desde princípios de 1936, denunciaram publicamente a agressiva política externa do Reich e as perseguições de judeus e adversários políticos, pintaram slogans como "Morra Hitler" nas paredes da Representação alemã, queimaram bandeiras com suástica e exigiram o boicote de comerciantes e produtos alemães. Lombardo Toledano e altos representantes do partido oficialista, o Partido da Revolução Mexicana, apoiaram além disso a Liga Pró-Cultura Alemã no México, uma organização de imigrantes alemães judeus e comunistas que lutava abertamente contra o nacional-socialismo mediante cartazes e conferências[25]. Também os diários mais importantes do país rechaçaram a Alemanha nacional-socialista. Assim, o 'El Nacional', portavoz do governo, publicou uma caricatura de Hitler, o que levou à proscrição do jornal na Alemanha[26].

Em términos de política exterior, o conflito aberto entre México e o Terceiro Reich se iniciou com a Guerra Civil na Espanha. O México condenou a intervenção alemã do lado dos insurgentes sob o General Franco e, por sua parte, apoiou ao governo legítimo diplomaticamente e com armas27. Em março de 1938, o México protestou contra a anexação da Áustria e, um ano mais tarde, negou-se a reconhecer a ocupação forçada da Tchecoslováquia[28]. No ano seguinte, depois da subida ao poder do nacional-socialismo, registraram-se alguns ataques contra o grupo regional e à Juventude Hitlerista. Luis N. Morones, chefe da CROM (Confederação Regional Operária Mexicana), declarou a um oficial da Representação alemã que os desfiles da Juventude Hitlerista, vestida com o uniforme nazi, e a bandeira com a suástica em casas alemãs eram uma provocação para o trabalhador mexicano. Acrescentou que não era tolerável que se fizesse propaganda nazi no México e, por último, advertiu que se isto não mudasse, os mexicanos não se se absteriam de levar a cabo ações antialemãs[29].

A extendida atitude antinacional-socialista e esta advertência conduziram a que os grupos nacional-socialistas decidissem se preservar[30]. Na sequência, o Landesgruppe se cuidou tanto de aparecer em público, que se esfumó da percepção popular, e sua existência permaneceu oculta também aos olhos dos círculos bem informados. Por exemplo, pelo motivo da nomeação de Bohle como Chefe da AO no Ministério de Assuntos Exteriores, 'El Nacional' escreveu um artigo fundamental sobre a AO, sem conhecimento algum de que logo provavelmente surgiria no México um desses misteriosos grupos[31]. Em junho de 1939 o ministro alemã resumiu as reações do público mexicano da seguinte maneira: "Prescindindo de ataques isolados da imprensa de extrema-esquerda, a organização do partido não foi exposta a impugnações por parte dos mexicanos"[32].

O governo mexicano tinha informação sobre o NSDAP no México desde início de 1936. O assassinato do líder do Landesgruppe na Suíça, que provocou a proibição do partido pelas autoridades, foi motivo de um detalhado relatório do ministro mexicano na Alemanha sobre os acontecimentos. Em sua opinião, sobretudo os países com colônias alemãs deviam tomar em conta esses fatos, e sugeria uma investigação do partido e daqueles alemães que, sendo mexicanos por naturalização, eram ao mesmo tempo membros do partido nacional-socialista[33]. O destinatário, a Secretaria de Relações Exteriores (SRE), contudo, não falou o motivo para a preocupação. O subsecretário escrveu: "Enquanto a sugestão de que Ud. hace no sentido de que vigiem as atividades do Partido Nacional-Socialista no México [...], esta Secretaria não estima que haja nada o que temer. Enquanto a Suíça é formada, entre outras raças, por alemães que somam cerca de 2.900.000, ou seja, 70% de sua população, o México tem somente uma pequeníssima colônia alemã que chega a apenas 6.000 (entre homens, mulheres e crianças), os quais representam uma fração infinitesimal de nossa população total"[34].

Um ano mais tarde a SRE se mostrou mais interessada. Pelo motivo da nomeação de Bohle ao cargo de Secretário do Ministério de Assuntos Exteriores, a Representação enviou um relatório detalhado e extenso sobre a organização e as tarefas da AO. Era dever dos partidários no exterior, escriveu o representante diplomático, converter ao nacional-socialismo - a todos os cidadãos alemães que viviam fora da Alemanha. Os membros do partido deviam assegurar o ensino nacional-socialista das crianças e impedir que se fizessem cidadãos dos países em que haviam nascido ou viviam. Também era meta do NSDAP assegurar que aqueles que, por motivos econômicos ou por conveniência, deviam aceitar a nacionalidade de um país estrangeiro, vivessem segundo os princípios nacional-socialistas e não se esquecessem de ser alemães[35]. Chegando a esse ponto, a SRE exigiu mais informação sobre a AO[36].

Daqui em diante, a Representação mexicana na Alemanha informou regularmente sobre a AO: por exemplo, acerca dos problemas bilaterais que surgiram entre o Terceiro Reich e outros países pela existência da AO, e também sobre congressos e a propaganda inglesa contra a AO. Uma vez ou outra se informou sobre a propaganda nazi entre os alemães e se questionou a lealdade desses ao México. Enquanto ao grupo regional, a Representação só escreveu que era dirigida por Wilhelm Wirtz, um político conhecido, de personalidade carismática e íntimo amigo de Bohle[37]. Em uma carta de setembro de 1937, mencionou-se pela primeira vez eventuais atividades de espionagem da AO e dos alemães no exterior. Foi dito que a imprensa estrangeira havia decrito nos últimos anos os métodos com os quais o NSDAP recrutava seus membros e revelou que este vigiava críticos alemães do regime nacional-socialista e espiava entre os círculos antinazis no exterior[38].

De todas formas, estes relatórios surtiram efeito sobre a SRE, e despertaram e aumentaram as suspeitas a respeito dos alemães. O subsecretário Ramón Beteta, por exemplo, estava convencido de que as organizações que se ocupavam dos alemães no exterior eram instrumentos de espionagem e de ação política do Reich[39]. A petição de Beteta, a Secretaria de Gobernación, a partir desse momento, começou a vigiar os alemães no México[40]. Obviamente, nem as conclusões de Beteta nem as investigações do ministério tiveram consequências para os alemães e o NSDAP. A partir daí que Rüdt von Collenberg e Wilhelm Wirtz constataram por unanimidade, em junho de 1939, que a existência do partido e de outras instituições da comunidade não corriam perigo[41].

Esta opinião do ministro alemã também se baseava na correspondência com a SRE do ano 1937, motivada, entre outras coisas, pelo já mencionado artigo do 'El Nacional', em que o diário analizava de modo fundamental o problema de um partido que atuava fora de sua pátria e reclamava do uso de poder sobre os próprios cidadãos no exterior, concluindo que não eram aceitáveis esses grupos porque podiam prejudicar os países em que eram desenvolvidas suas atividades[42]. Em algumas cartas enviadas à SRE, Rüdt contradizia essas declarações, aduzindo que, segundo as leis da AO, os membros do partido no exterior tinham a obrigação de evitar qualquer envolvimento na política dos países receptores[43].

A resposta do Secretário de Relações Exteriores, Eduardo Hay, revelava o desinteresse do governo mexicano de tematizar a AO nas relações bilaterais, limitando-se a expressar satisfação de que a AP não se envolvia na política de outros países. Estas foram as únicas palavras do Secretário em relação à AO. Assim pois, a AO não representou nenhum papel importante, nem nos debates da política interna nem nas relações com o Terceiro Reich. Apesar da atenção despertada sobre as atividades do partido e os alemães no país, parece que o número de alemães era demasiado pequeno para constituir um perigo para o México, ainda que estivessem influenciados pela ideologia nacional-socialista.

Nisso, o México se distinguiu fundamentalmente de outros países latinoamericanos. Na Argentina e no Brasil se proscreveram os grupos regionais da AP, tanto que no Chile suspenderam o funcionamento de um grupo vinculado à Juventude Hitlerista e expulsaram um alto funcionário do NSDAP. Em todos esses países houve discussões na imprensa e nas câmaras de deputados sobre os partidos formados por estrangeiros. Alguns políticos atacaram a AO e suspeitaram de outras atividades subversivas e de traição. O que diferencia a experiência mexicana em relação aos outros países é que nestes a propaganda da AO entre os descendentes de alemães, os imigrantes e os cidadãos, e as tentativas de unificar as comunidades alemãs sob o controle do NSDAP, eram vistos como um perigo para a integridade nacional. No Brasil, as atividades dos nazis aumentaram a desconfiança tradicional ante os descendentes de alemães. O partido - repreendiam - impedia a integração deste grupo da população na nação brasileira. Na Argentina, pelo contrário, onde os alemães eram majoritariamente apreciados como bons cidadãos, temia-se que a propaganda nacional-socialista separasse esses da nação. Apesar de que no Chile viviam muito menos alemães que nos outros países, que contavam com uma comunidade alemã de centenas de milhares, existiam - como no Brasil - regiões nas quais predoninavam os alemães, o que também foi motivo crescente de suspeitas e de restrições. No México, contudo, não havia muitos alemães, nem tampouco concentrações destes em determinadas partes do país[44].

Fonte: El NSDAP en México: historia y percepciones, 1931-1940
Autor: Jürgen Müller; Universitdt Kóln
Tradução: Roberto Lucena

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