domingo, 31 de dezembro de 2017

Hitler e as "raças asiáticas"

Em dezembro de 1942, Hitler realizou uma reunião sobre os Países Baixos com Mussert, Seyss-Inquart, Himmler, Lammers, Schmidt e Bormann. As notas da reunião, escritas por Bormann, foram publicadas em 1976 na coleção "De SS en Nederland Documenten uit de SS-archieven 1935-1945", que recentemente foi disponibilizada através da NIOD e Wikimedia Commons aqui em dois arquivos "pdf". O primeiro arquivo, das páginas 893-899, reproduz o registro da reunião de Bormann.

Em uma de suas principais passagens, Hitler retrata a guerra no Oriente como uma luta de vida ou morte, porque os bolcheviques exterminariam todos os estratos europeus (pág. 895). Hitler também deixa claro que sua oposição aos bolcheviques é racial, não política ou ideológica: a Alemanha está contra as raças asiáticas que pretendam destruir a civilização europeia e impor mistura racial (pág. 894).

Essas observações podem ser comparadas com outras fontes. Hitler foi, em parte, ecoando a formulação de Diewerge "Quem deveria morrer - alemães ou judeus?". No mesmo dia em que Bormann produziu suas anotações, Goebbels escreveu em seu diário: "O judeu deve pagar por seu crime, assim como nosso Führer profetizou em seu discurso no Reichstag; a saber, pela extinção da raça judaica na Europa e possivelmente no mundo inteiro." Crucialmente, no entanto, os comentários de Hitler não eram apenas antissemitas, mas apontavam a vontade de exterminar toda a vida "asiática" em seu caminho, pois era incompatível com sua visão da civilização europeia. Eles, portanto, convergem com os objetivos de fome de maio de 1941, nos quais os nazistas estavam dispostos a condenar à morte trinta milhões de pessoas (ver, por exemplo, Kay, pág. 689), e o plano de destruir totalmente as principais cidades soviéticas e tornas as áreas inabitáveis (veja aqui).

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2017/12/hitler-and-asiatic-races.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: Hitler and the "Asiatic Races""
Tradução: Roberto Lucena

sábado, 30 de dezembro de 2017

Extermínio de crianças em Daugavpils, Letônia

De acordo com este site, pesquisando por Jacob Gorfinkel, "De acordo com a distribuição do "cartão de comida" em junho de 1942, restaram 487 judeus (245 homens, 242 mulheres, 22 crianças) em Daugavpils". O baixo número de crianças é uma forte prova de uma política de extermínio na Letônia. Converge com a evidência fotográfica de Liepaja, Letônia, e a outra evidência sobre a Letônia publicada anteriormente neste blog. Também reforça a evidência do massacre de Rumbula em Riga, como é ressaltado no Relatório de Situação Operacional 155, de 11.1.42: "O número de judeus restantes em Riga, 29.500, foi reduzido para 2.600 por uma ação conduzida pelo Superior SS e líder da polícia de Ostland. Em Daugavpils, ainda restam 962 judeus que são urgentemente necessários para o grupo de trabalho". Isto foi no contexto mais amplo de redução da população judaica letã de cerca de 70.000 para menos de 4.000 [Relatórios dos Territórios Ocupados do Leste, nº 7, 12,6,42].

http://holocaustcontroversies.blogspot.com.br/2017/04/extermination-of-children-in-daugavpils.html

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2017/04/extermination-of-children-in-daugavpils.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: Extermination of Children in Daugavpils, Latvia
Tradução: Roberto Lucena

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Os primeiros números (estimativas) do Holocausto

A historiografia, ou seja, a história da história, pode vir a ser fascinante, mas é pouco apreciada pelo grande público. É muito mais interessante para os leitores, por exemplo, uma história da guerra civil dos Estados Unidos, e não um estudo sobre como evoluiu o conhecimento sobre esta guerra nos últimos 150 anos.

Mas parece que há uma exceção à regra, na internet do século XXI: a historiografia do Holocausto.

O primeiro estudo sobre o Holocausto, em inglês, publicado em Londres em 1953, em Nova Iorque em 1954, e traduzido para o alemão em 1956, é este de Gerald Reitlinger: "A solução final. A tentativa de exterminar os judeus da Europa, 1939-1945", que se seguiu reeditando até 1982, que eu saiba. O autor foi se preocupando em ir atualizando o livro em sucessivas reedições até sua morte em 1979, refletindo a aparição de outros estudos e o descobrimento de nova documentação (por exemplo, ainda não haviam descoberto os relatórios de Koherr), mas mantendo o essencial de suas linhas mestras.

Sou o afortunado proprietário de um exemplar da segunda impressão do livro de Reitlinger, "The Final Solution", lançada no mesmo ano de 1953. Ou seja, é idêntica à primeira edição, que pelo visto se esgotou em pouco tempo, sendo assim imprimiram uma nova tiragem nesse mesmo ano.

Na continuação fotografo a páginas com o dado que o autor calculou para Auschwitz. Como se pode ver, e como já foi repetido tantas vezes, dois anos antes que o governo polonês abrisse ao público o Memorial de Auschwitz, Reitlinger estava muito longe da estimativa de "quatro milhões":

Observe-se além disso que, na citação superior do relatório soviético, não mencionam que as vítimas sejam majoritariamente judias, só cidadãos da URSS, Polônia, França....

E quanto ao número total... é usada a estimativa "mágica" de seis milhões? Não. Ainda que um comitê anglo-americano de 1946 houvesse calculado esses seis milhões, do que depois se restou cerca de uns 308 mil refugiados, os cálculos de Reitlinger situam suas estimativas entre 4.194.200 e 4.581.200:

A grande diferença de números está nos mais dificilmente comprováveis (em 1952), da Polônia, Romênia, ou da URSS, que além disso mudaram e muito suas fronteiras entre 1939 e 1953. Por exemplo, nas fronteiras da Bulgária, anterior a 1939, não foram deportados judeus para a Alemanha, mas sim de diversas zonas que ocuparam da Iugoslávia e Grécia, por isso que Reitlinger não soma os 5.000 do Comitê de 1946.

Contracapa desta primeira reimpressão. Seu sucesso, para um livro deste tipo, atrasou a publicação do estudo de Hilberg em seis anos. Os editores acreditavam que não houvesse mercado para outro livro sobre o mesmo tema.

Fonte: blog antirrevisionismo (El III Reich y la Wehrmacht), Espanha
https://antirrevisionismo.wordpress.com/2017/09/15/primeras-cifras-holocausto-mito-seis-millones/
Título original: Las primeras cifras del holocausto
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Crimes de guerra na Bielorrússia (Belarus), meados de 1943

A exposição NO-3028 de Nuremberg é uma série de relatórios que suscitam preocupações sobre as atrocidades cometidas em operações anti-partisans na Rutênia Branca (Bielorrússia). Esses documentos foram publicados aqui por David Thompson em 2004. O mais pertinente é talvez aquele do "membro do partido", Lange:

Estou enviando a seguinte comunicação privada para sua informação. Dr. Walkewitsch, o chefe de ação da WSW veio até mim.

Ele foi informado pelo Sr. Sakowitsch, ex-chefe do território [Gebietsvorsitzender] do WSW no condado de Minsk que, em 27 de maio de 1943, às 14h00, a SS e/ou os ucranianos conduziram os habitantes de Krjvsk juntos para duas casas e para depois incendiar as casas para que aqueles dentro delas queimassem até a morte.

O mesmo aconteceu com a aldeia de Krashyn em 24 de maio de 1943. Ambas as aldeias estão localizadas no distrito de Woloshin, no território de Vilijka.

Normalmente, o escritório de Himmler rejeitou tais preocupações. No último documento da exposição, Brandt afirma que "[Himmler] solicita que o Ministro do Reich para o Leste seja informado de que a campanha contra os partisans andará conforme o cronograma e que Volhynia e Podolia serão as próximas da lista." O subtexto aconselhava Rosenberg a dizer aos seus subordinados que abandonassem suas queixas. Veja a excelente análise de Leo Alexander sobre esta troca, publicada aqui em 1948.

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2016/01/war-crimes-in-belorussia-mid-1943.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: War Crimes in Belorussia, mid-1943
Tradução: Roberto Lucena

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Documentação fotográfica do assassinato de uma mulher e uma criança em Miropol

Esta fotografia foi tirada pelo soldado eslovaco, Skrovina Lubomir, em Miropol, na Ucrânia, em outubro de 1941. É uma das duas fotografias conhecidas que documentam o fuzilamento de mulheres e crianças de perto em um parque público por policiais ucranianos anexados ao Batalhão de Polícia da Ordem 303. Lubomir testemunhou em Praga em 1958 que estava em uma unidade de pontes de guarda quando ele e dois outros foram designados para participar da execução, no qual 94 judeus (incluindo 49 crianças) foram assassinados. Os dois atiradores na foto são ucranianos, os 3 comandantes da Polícia da Ordem são alemães.

A fonte da foto é o USHMM, originalmente do Security Services Archive (Arquivo de Serviço de Segurança), Praga, H-770-3.0020. A fonte do contexto e referência arquivística é de Wendy Lower, "'Axis Collaboration, Operation Barbarossa, and the Holocaust in Ukraine'" ('Colaboração do Eixo, Operação Barbarossa e Holocausto na Ucrânia'), em A. Kay, J. Rutherford e D. Stahel (eds.), "Nazi Policy on the Eastern Front, 1941: Total War, Genocide, and Radicalization" (Política Nazi na Frente Oriental, 1941: Guerra Total, Genocídio e Radicalização), Boydell & Brewer, 2012, p.200.

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2017/11/photographic-documentation-of-shooting.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: Photographic Documentation of the Shooting of a Woman and Child in Miropol
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Quem traiu Anne Frank? Caso em aberto

Anne Frank (segunda a partir da esquerda), com suas
amigas, em 1939.
Uma equipe reabre a investigação a partir do achado de uma lista com os informantes dos nazis em Amsterdã.

Quem traiu Anne Frank e sua família e amigos judeus durante a Segunda Guerra Mundial? A pergunta foi feita durante décadas por múltiplos historiadores, escritores e jornalistas, mas ninguém conseguiu encontrar uma resposta fiável. Um agente jubilado do FBI se pôs agora no comando de uma equipe internacional de especialistas para buscar, usando técnicas policiais, novas pistas que permitam identificar o traidor.

O ex-agente Vince Pankoke, de 59 anos, está tratando de resolver a história pergunta e a mais frequente entre os visitantes do Museu Casa de Anne Frank em Amsterdã: a fonte que informou e permitiu os nazis descobrirem em 1944 o esconderijo dos Frank na rua Prinsengracht da capital holandesa.

As tentativas anteriores não chegaram a grandes resultados, mas esta equipe, composta por especialistas procedentes de diferentes partes do mundo, utiliza sua experiência, múltiplas técnicas usadas em casos frios e informação privilegiada de arquivos históricos de outros países para encontrar as respostas.

Na equipe de 19 pessoas figuram criminólogos, historiadores, jornalistas e informáticos, assim como um ex-chefe da unidade de Ciências do Comportamento do FBI, Roger Depue. A Holanda também se voltou para colaborar neste estudo, permitindo o acesso ao Arquivo Nacional dos Países Baixos, o instituto de guerra, os relatórios sobre o Holocausto e o genocídio, a prefeitura de Amsterdã etc.

Os investigadores estão fazendo uso de um novo software que pode organizar e analisar grandes quantidades de dados. A companhia Xomnia de Amsterdã, especializada no processamento de informação, está proporcionando suporte e inteligência artificial para a investigação.

"Há tanta informação disponível, de arquivos e velhas pesquisas, que para um ser humano é difícil de vincular e analisar, mas com bons programas de ordenador é possível fazer isso, pode-se analisar e fazer conexões", afirmou Pankoke, segundo a imprensa holandesa.

A ideia de iniciar este novo estudo veio do cineasta holandês Thijs Bayens e do jornalista Van Twisk. Ambos se reuniram com o ex-agente do FBI, que se aposentou no ano passado, para lhe pedir que dirigisse esta investigação na qual há também um ex-oficial da polícia holandesa.

Depois da segunda guerra mundial, os soldados estadounidenses reuniram toda a informação disponível e a enviaram para os Estados Unidos. Todos esses documentos estão num arquivo com o qual Pankoke passou horas nos últimos meses em busca de pistas. Entre outras questões, descobriu uma lista de informantes dos alemães em Amsterdã. "Os especialistas com os quais falei depois não sabiam da existência desta lista", assegurou.

Em 4 de agosto de 1944, depois de dois anos na clandestinidade escondidos num anexo da rua Prinsengracht, 263, de Amsterdã, Anne Frank foi presa junto com sua família. A traição parecia ser a única conclusão lógica que desembocou nesta detenção, mas a fonte segue sendo uma incógnita até os dias de hoje.

Quando Otto Frank regressou de Auschwitz, descobriu que era o único sobrevivente das oito pessoas que haviam se escondido em Prinsengracht. Sua esposa, Edith, suas duas filhas Margot e Anne, o dentista Fritz Pfeffer e os demais amigos judeus haviam morrido nos campos de concentração da Alemanha e Polônia.

Imediatamente depois da guerra, Otto iniciou uma investigação sobre a traição. O principal suspeito por isso até então era um dos trabalhadores do armazém, Wilhem van Maaren. Contudo, dois investigações, uma em 1947 e outra em 1963 lhe exoneraram de culpa por falta de provas.

Pankoke lançou uma página na web para recolher toda a informação útil que já apareceu nessas décadas para sua investigação. Durante os últimos 73 anos, várias pessoas tentaram resolver o mistério da traição, o que resultou em cerca de trinta suspeitos: um vizinho? um antigo empregado? uma faxineira? Pankoke está no caso.

Fonte: El Mundo (Espanha)
http://www.elmundo.es/cultura/2017/10/03/59d3441e268e3e46328b457d.html
Título original: "¿Quién traicionó a Ana Frank? Caso abierto"
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

"Ninguém verdadeiramente perseguiu os nazis após a guerra". Livro sobre Mengele

Josef Mengele devorou-se a si próprio

La disparition de Josef Mengele é um brilhante mergulho na intimidade de um monstro nazi, nos seus anos de fuga na América do Sul. Ao entrar no quotidiano, inicialmente ostensivo depois sórdido, do “médico” de Auschwitz, o autor explica como ele escapou à justiça dos homens durante 40 anos mas como foi castigado: devorando-se.

Jan Le Bris de Kerne. 2 de Dezembro de 2017, 16:40

O crânio de Josef Mengele mostrado aos jornalista em 1985 em Embu, Brasil
Robert Nickelsberg/Liaison
O Anjo da Morte, como lhe chamam, exerceu um fascínio perturbante. Em Auschwitz, mais tarde quando conseguiu fugir e desaparecer e depois da sua morte, quando o mundo descobriu a ignomínia das suas actividades. O doutor Mengele, médico sinistro que inflingiu sem piedade os maiores sofrimentos a milhares de deportados nos campos da morte, em nome da experiência médica e do apuramento da raça ariana, era afinal um miserável e obscuro capitão das SS proveniente da burguesia bávara, cobarde, frio e obsessivo, e que se conseguiu esconder na América do Sul durante tantos anos depois do final da II Guerrra graças à acção conjunta do dinheiro da sua família, das cumplicidades locais, tanto na Baviera como nos países de acolhimento, da solidariedade dos exilados nazis e da complacência de governos como o de Perón na Argentina, mas também do Paraguai ou Brasil. Isso permitiu ao “médico” de Auschwitz viver alguns belos anos nas melhores condições, com estreias de ópera, jantares elegantes e soirées de deboche nos bordéis chiques de Buenos Aires.

O nome “Anjo da Morte”, o seu desaparecimento quase sobrenatural, as numerosas lendas que o rodeiam, hipnotizaram as pessoas e anestesiaram percepções. É elevado a encarnação maléfica demoníaca. Ou não. Olivier Guez recusa de forma vibrante esta transfiguração de Mengele, que segundo o autor é um homem como os outros, mais normal do que quereríamos que fosse, tragicamente humano, na verdade, que obedecia às ordens, que construía a sua pequena carreira, vaidoso e indiferente ao sofrimento que o rodeava. Até ao fim viu-se como executor de ordens, obediente e ao serviço da grandeza alemã.

PÚBLICO - Foto. Olivier Guez, 43 anos,
nascido em Estrasburgo, é escritor,
jornalista, ensaísta JF
O grande interesse do romance de Olivier Guez (porque é um romance de não ficção, ou seja, muito fiel à realidade e abundantemente documentado) é que relata com precisão os protagonistas e os fatos da fuga do criminoso de guerra como uma câmara de espionagem: o autor infiltra-se o mais possível perto de Mengele. Este vai meter-se, de forma inexorável, num longo caminho da cruz feito de solidão, de terror, de raiva e paranoia. Uma lenta queda começa nas várias quintas que o aceitaram esconder a troco de somas exorbitantes.

Doente e insone, afunda-se. A sua decadência mental e física, o isolamento e abandono, o seu fim longe do seu país, entregue aos seus demônios em condições materiais sórdidas: tudo isto foi o castigo terrestre, aquele que a justiça dos homens não soube dar-lhe. Mengele acabou por se devorar a si próprio.

Na altura em que o mundo ocidental assiste ao ressurgimento dos populismos e à dissolução dos ensinamentos da paz forjados sobre as cinzas de milhões de vítimas da barbárie, Olivier Guez conclui assim a sua obra: “A cada duas ou três gerações, quando a memória se esvai e quando as últimas testemunhas dos massacres precedentes desaparecem, a razão eclipsa-se e os homens recomeçam a espalhar o mal”.

Olivier Guez, 43 anos, nascido em Estrasburgo, é escritor, jornalista, ensaísta. Co-escreveu o filme “Fritz Bauer, un héros allemand” sobre o procurador que encontrou os traços Adolf Eichmann, o cérebro do Holocausto. Fascinado pelos períodos dos pós-guerras, expõe nesta conversa o seu método, a sua intenção literária. Este livro, de uma atmosfera cirúrgica e que soa como uma premonição, vinda do passado, acaba de receber o Prix Renaudot.

Como é que organizou o seu trabalho?

Há dez anos que trabalho sobre os pós-guerras, quer seja na Europa, na Alemanha ou na América do Sul, portanto não descobria todas estas questões trabalhando sobre Mengele. Tinha escrito “L’Impossible Retour, une histoire des juifs depuis 1945» [O Regresso Impossível, a história dos judeus desde 1945], onde contava a história dos judeus na Alemanha depois da guerra e, sempre em espelho, a relação dos alemães com o seu passado, seja a nível político ou simbólico, mas também de ponto de vista judicial. De seguida escrevi [com Lars Kraume] o argumento do filme “Fritz Bauer, un héros allemand” [Fritz Bauer, um herói alemão], onde se contava como esse grande procurador tinha colaborado com a Mossad, pois é ele que lhes dá a informação da presença de Eichmann na Argentina. E ao trabalhar na preparação do filme, li muito sobre a Argentina dos anos 50 e nesse momento “cruzei-me” várias vezes com Mengele. Disse a mim próprio que ainda havia alguma coisa para fazer relativamente aos nazis na Argentina. Toda a gente sabe que muitos nazis partiram para a América do Sul, mas não se sabe grande coisa, é pouco nítido. Nem tudo tinha ainda sido dito. Existe uma grande bibliografia, mas aqui não conhecemos muito bem o contexto sul-americano. Pensei que havia uma história para contar. Mengele não foi preso, não foi julgado, e morreu velho em 1979. Então existe este mistério: por que razão nunca foi ele preso? Depois há também todas as histórias que se contava sobre ele (por exemplo, as aldeias de gêmeos que teria criado), tudo isso é uma treta. Faltava-me separar o verdadeiro do falso. E depois há a questão mais filosófica: é verdade que ele não foi julgado, mas terá ele sido castigado em algum momento? O que é que a vida lhe reservou? Quem é o “Mengele após Mengele”?

Que tom quis dar ao texto? Como classifica o ambiente estilístico do livro?

Queria qualquer coisa seca, áspera, tensa, não era necessário que o livro fosse uma zona de conforto para o leitor. Nenhum desvio, nenhuma grande demanda onde o autor se coloque em cena, nada de metáforas, nada de grandes descrições. Realmente qualquer coisa muito seca, como a dissecação de Josef Mengele na América do Sul.

PÚBLICO - Foto. Josef Mengele, à esquerda, seguido de Rudolf Hoss,
comandante de Auschwitz, de Josef Kramer, comandante de Belsen,
e de um oficial alemão não identificado Universal History Archive/Getty Images
A cada duas ou três gerações, quando a memória se esvai e quando as últimas testemunhas dos massacres precedentes desaparecem, a razão eclipsa-se e os homens recomeçam a espalhar o mal
Olivier Guez

Encontrou, na bibliografia e nos relatórios de entrevistas, matéria suficiente para reconstituir com precisão as conversas, os estados de espírito, os acontecimentos do dia-a-dia? Ou teve que entrar no campo da ficção?
Não existe diálogo no livro, ou somente discurso indirecto. Não coloquei as personagens a dialogar. Não tinha vontade de as fazer viver dessa maneira. É talvez a minha paixão por Thomas Bernhard [dramaturgo austríaco] que me levou a ter vontade de usar esse tipo de narração. Depois, na bibliografia encontra-se mesmo assim muita coisa. Vou dar-lhe um exemplo. A ligação entre Mengele e Gita Stammer [mulher do casal húngaro que durante vários anos o albergou na sua fazenda no Brasil]. Pelo que pude ler, tiveram uma relação. Onde, quando, como, durante quanto tempo, em que condições, ninguém jamais o saberá. Pelo que a partir do momento em que tenho 95 por cento de certeza que existiu uma ligação confirmada por diversas fontes, aí o romancista apodera-se da matéria e vai “inventar”, entre aspas, as condições dessa ligação.

Ou seja, teve mesmo que entrar na ficção…

Sim, claro, porque a vida de Mengele na América do Sul é totalmente de romance, a sua comitiva é de romance, a sua família é incrivelmente de romance, e consegui recolher muitas informações. Depois há também uma formatação que é ainda romanesca.

Existia já uma quantidade de obras e de estudos “sobre a pista de Mengele”. O que acha que trouxe de novo? A forma de romance permite tapar lacunas ou abrir novas vias?

O meu modelo foi “A Sangue-Frio” de Truman Capote, onde, após ter acumulado enorme quantidade de informações, ele escreveu um objeto literário sublime que ninguém contesta que seja literatura. É um romance verídico ou um romance de não-ficção. Foi o que tentei fazer. Um romancista tem mais liberdade do que um historiador ou um ensaísta. Um historiador necessita de uma carta ou um arquivo que confirme cada uma das suas frases. Eu tenho a minha própria objetividade, depois de ter lido imenso, após ter passado tanto tempo com Mengele, tinha a minha própria opinião sobre o seu perfil psicológico, mas tudo isso suportado por fatos concretos. A partir do momento em que coloquei Mengele no título, tinha uma responsabilidade direta com os leitores. Senão teria que criar uma personagem de ficção completa ou contar uma outra história. Aí está a vantagem do romancista para desenhar o retrato do criminoso em fuga. Durante toda a segunda parte brasileira Mengele já não é de todo um ator da história, ele esconde-se, e isso fornece um cenário fechado que é uma matéria literária formidável.

Você recorre frequentemente ao facto histórico como trama ou objeto dos seus livros. Por quê?

Sou obcecado pelos pós-guerras. No plural: 1914-1945 forma um período completo que é o suicídio da Europa. Há 85 milhões de mortos na Europa nesse período. É alucinante. E creio que ainda hoje vivemos nesse após. Estamos talvez na fase 2 ou na fase 3, mas penso que a Europa não consegue recuperar rapidamente de um tal trauma. Basta ver a quantidade de produção literária, cinematográfica, audiovisual, etc., sobre a guerra e o que se seguiu a ela. Assim, considerando que estamos sempre aí dentro, a fronteira entre a História e o presente é extremamente ténue. E vê-se bem na história de Mengele que ele entra na nossa modernidade. Por exemplo, enquanto ele escuta as suas peças de música clássica no gira-discos no seu terraço – aí está o velho nazi que escuta a sua música clássica –, quando vira as costas e vai embora, os adolescentes vão para lá ouvir Beatles. Eis o encontro com a nossa época. Mengele morreu em 1979, os seus restos mortais são descobertos em 1986, quando estamos já no tempo presente. À escala da História é apenas um grão de areia. Sim, interesso-me pela História, mas não escrevo sobre a Idade Média. Creio que a nossa Europa contemporânea é em larga medida constituída pelo que se passou entre 1914 e 1945.

PÚBLICO - Foto. Wolfgang Gerhard, alegadamente Josef Mengele,
ao centro, entre amigos numa fotografia tirada em data desconhecida
nos anos 70 Bettmann
Um romancista tem mais liberdade do que um historiador ou um ensaísta. Um historiador necessita de uma carta ou um arquivo que confirme cada uma das suas frases. Eu tenho a minha própria objectividade, depois de ter lido imenso, após ter passado tanto tempo com Mengele
Olivier Guez

Por que razão pode Mengele ser uma personagem de romance? O tema é delicado. Não se corre o risco de se dissolver o Mengele histórico naquele do romance, de fornecer contornos da verdade tão frágil e cruel, mais nebulosa, menos tangível, tornando-a ficção no tempo de um livro?

Desde já, não ficciono o Mengele de Auschwitz. Depois, conto a sua vida na América do Sul à minha maneira mas não atraiçoo a verdade histórica. Em terceiro lugar, invento bastante menos do que tudo aquilo que foi escrito sobre Mengele durante muito tempo. Não é por ter a palavra “romance” por baixo que se transforma numa ficção completa. É uma técnica literária [o romance de não-ficção] para contar uma história verdadeira.

Será que os contornos do Mengele de romance são mais fluidos? Não tenho essa ideia, o retrato que faço do homem e da sua cobardia é importante: eu queria mostrar que Mengele era um homem. Detesto quando se apresenta os nazis como marcianos, ou monstros, “o Anjo da Morte”, essas expressões – isso é bastante mais fácil e não é olhar de frente a verdade. E Mengele é um excelente exemplo da mediocridade do mal, que vai ainda mais longe que a banalidade do mal. Era muito importante mostrar quem se escondia por trás dessa personagem do mítico “Anjo da Morte”. Não tenho a impressão de que os seus traços sejam muito mais fluidos, na medida em que respeito a verdade histórica, não faço dele um herói, não há a menor empatia com a personagem, não estou dentro da sua cabeça, ponho-me antes ao lado dele e persigo-o como um detetive para mostrar a sua ruína.

Diz-se que o «Anjo da Morte» exercia, e talvez ainda exerça, um fascínio sobre o público. Será que o escritor e também investigador que você é também se sentiu fascinado por ele? De que forma o mal pode fascinar o escritor? E o público?

Há um mistério Mengele: por que é que ele não foi apanhado e onde é que ele se escondeu durante todos esses anos? O livro responde a isso, existem outros livros, evidentemente, e não tenho a certeza de que muita gente tenha lido as biografias de Mengele publicadas nos anos 80, que são as melhores; digamos então que Mengele se tornou o símbolo da barbárie nazi. Apesar de não ser mais do que um médico entre centenas de médicos, é um simples capitão das SS, não é, por exemplo, um Heydrich [Reinhard Heydrich, conselheiro próximo de Hitler e um dos planificadores do Holocausto]. O que ele fez em Auschwitz enquanto médico é uma traição quádrupla: há as experiências, há a triagem no cais de chegada [dos comboios de prisioneiros], há a falência absoluta das elites alemãs, o horror do que foi feito em nome da Alemanha, e depois há a sua fuga, donde o mito que foi mantido por, entre outros, Simon Wiesenthal [“caçador de nazis”]. Pessoalmente não tenho nenhum fascínio por ele, pelo que não utilizo a expressão “Anjo da Morte” no livro, excepto quando há outras personagens que a usam. Recuso esse fascínio.

Trabalhar longas semanas neste contexto pesado teve influência no seu estado mental, e isso alterou-o? Ou, pelo contrário, você trabalhou com o mesmo distanciamento de um cientista (ia dizer de um médico…)?

Isso pesou no início, quando ataquei verdadeiramente a sua biografia e o médico nazi nos campos de concentração. A partir do momento em que compreendi como iria contar esta história, a sua derrota, e como este homem era tão pequenino, e talvez o facto de nunca ter sentido a menor empatia com ele, isso permitiu-me sentir-me como um marionetista. O nome de Mengele causa um sentimento de pavor, como uma aranha, ou qualquer coisa infecta nesse nome, naquilo que ele evoca. Mas a sua ruína, e a partir do momento em que compreendi quais eram os seus traços, permitiu-me tornar-me este marionetista.

PÚBLICO -Foto. Josef Mengele no Brasil na década de 70, o segundo à esquerda,
entre amigos não identificados e Elsa Gulpian de Oliveira, a empregada com
quem teve um romance Robert Nickelsberg/The LIFE Images Collection/Getty Images
Primeiro: que é evidente que o nazismo não morreu em 1945. Segundo: que sem dinheiro ele não teria ido muito longe. Terceiro: que, no fundo, ninguém verdadeiramente perseguiu os nazis após a guerra (Olivier Guez)
Qual é a sua opinião pessoal, na medida do conhecimento que tem sobre o assunto, sobre o que se descobriu graças a si: a família, o círculo mais íntimo, os amigos, os cúmplices de todo o gênero, a Argentina, etc.? A inacreditável facilidade com que todos aceitaram, anulando toda a empatia e toda a compaixão pelas vítimas de Mengele?

Primeiro: que é evidente que o nazismo não morreu em 1945. Segundo: que sem dinheiro ele não teria ido muito longe. Terceiro: que, no fundo, ninguém verdadeiramente perseguiu os nazis após a guerra.

O que iria fazer sofrer mais Mengele no fim da sua vida – e o cúmulo da ironia para quem trabalhava sobre genética, filiação, raça – é o seu próprio filho. E também o facto de ter tido como últimas companhias mulheres não-arianas (uma húngara e uma brasileira, ainda por cima ambas pouco submissas). E o facto de ter sido privado do seu trabalho. Acha que Mengele recebeu na América do Sul um castigo pelos seus crimes? Que de alguma forma pagou, como numa roda de karma, pelo mal que infligiu?

Estou convencido de que se tivesse sido preso e julgado pelos alemães ele safar-se-ia. Já tinha escapado à incerteza que o roía durante 20 anos. Com os meios da sua família ele teria tido os melhores advogados da Alemanha. Depois, teria adotado a linha de defesa de Eichmann, “uma ordem é uma ordem, e para além disso eu salvei vidas” (com efeito, ele não enviava diretamente toda a gente para as câmaras de gás), e que não passava de um simples capitão. A sua família poderia vê-lo, a sua segunda mulher... Penso que ele se teria safado muito melhor se tivesse sido preso pelos alemães. Ele não teria tido que viver com essa paranoia, essa angústia que o engolia todos os dias.

Já com os israelitas teria sido diferente. Muito diferente. Eles ter-lhe-iam feito pagar caro, muito caro, num processo como o de Eichmann. Teria certamente sido condenado à morte.

Em parte, sim, ele foi castigado. Mengele autodevorou-se. Talvez seja esse o tema do livro. Como Mengele se autodevorou. Corroeu-se, corroeu-se. Sozinho. Porque no final ele era muito pouco procurado. Ele só foi verdadeiramente procurado durante três ou quatro anos. Em 30 anos isso não é nada. Mas nos anos 50 ele persuadiu-se de que por trás de cada palmeira da savana brasileira se escondia um agente da Mossad. E isso constitui uma matéria literária fascinante.

O seja?... Os ataques de paranóia, de demência? Do monstro que se volta contra si próprio?

O espaço fechado. A loucura. É preciso compreender que Mengele não é um aventureiro, é o filho de grande burguês e depois da guerra ambicionava ser professor na universidade. Fui a todo o lado. Descobri uma das fazendas no Brasil, onde ele passou dez anos. A não ser para uma estadia em viagem, você percebe o inferno que isso é para um burguês europeu. É um inferno: a humidade, o calor, os bichos, os mosquitos, as cobras…

Fonte: Público (Portugal)
https://www.publico.pt/2017/12/02/culturaipsilon/entrevista/josef-mengele-devorouse-a-si-proprio-1794028

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Mais sobre "Erradicação biológica (biologische Ausmerzung)"

Retornando a 2015, nesta publicação, conduzi Mattogno a se esforçar em sua ridícula tarefa (feita aqui, pág. 281-282) de neutralizar o relatório de imprensa de Rosenberg de 18 de novembro de 1941. Agora gostaria de expandir isso citando uma observação feita por Alex J. Kay, neste livro, que inclui uma excelente discussão sobre o papel de Rosenberg no processo de planejamento de ocupação da URSS até julho de 1941. Em 20 de junho de 1941, Rosenberg usou o termo "evacuação" para se referir à fome, não à deportação, dos russos étnicos, a quem Hitler havia decidido que não deveriam sobreviver ao bombardeio das principais cidades, principalmente Leningrado e Moscou (e posteriormente Kiev).

O trecho de Rosenberg veio no discurso apresentado no Tribunal Militar Internacional como 1058-PS; Hartley Shawcross leu o seguinte extrato ao tribunal em 27 de julho de 1946:

O objetivo de alimentar o povo alemão está neste ano, sem dúvida, no topo da lista das alegações da Alemanha no Oriente, e os territórios do sul e do Cáucaso do Norte terão de servir como um balanço para a alimentação do povo alemão. Não vemos absolutamente nenhuma razão para qualquer obrigação da nossa parte em alimentar também o povo russo com os produtos desse excedente de território. Sabemos que esta é uma necessidade desprovida de todos os sentimentos. Uma evacuação muito extensa será necessária sem qualquer dúvida, e é certo que o futuro dará anos muito difíceis para os russos [tradução em National Conspiracy and Aggression, III, pág. 716-717].

O uso por Rosenberg da "expulsão" como um eufemismo para a morte em massa, portanto, teve origem na contribuição de Rosenberg aos planos de fome pré-Barbarossa, iniciada por Backe, mas não explicitamente aprovadas por Rosenberg até este discurso de "evacuação". Como Kay mostra (aqui, pág. 689), Rosenberg estava usando "evacuação" para eufemizar as mortes de 30 milhões de pessoas.

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2017/12/more-on-biological-eradication.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: More on "Biological eradication (biologische Ausmerzung)"
Tradução: Roberto Lucena

domingo, 10 de setembro de 2017

As origens patronais do Fascismo italiano

A ascensão do fascismo na Itália surge como consequência da Primeira Guerra Mundial. Ao fim do conflito, atingido pela inflação e desemprego, o país é dominado por uma forte agitação social. Para se protegerem, os industriais e os latifundiários apelam para esquadrões fascistas criados por Benito Mussolini em 1915, abrindo o caminho para a tomada do poder.

Por Lionel Richard

"Antes do paraquedas se abrir", de Tullio Crali, 1931
"Em 1909, os signatários italianos do Manifesto Futurista, escrito por Marinetti, exaltam uma arte com "violência demolidora e incendiária". Fascinados pela guerra, "a única higiene do mundo", e pela técnica, os "aeropintores" como Tullio Crali interpretam as perspectivas cósmicas para retratar o poder dos meios de transporte modernos. Já na década de 1920, grande parte desta corrente se junta ao fascismo."
Exposição temporária do Guggenheim NY.

Quando a guerra eclodiu em 1914, a Itália era aliada - desde o final do século XIX - à Alemanha e o Império Austro-húngaro. No entanto, o governo optou por permanecer neutro. Os "intervencionistas", poucos, que queriam lutar ao lado da Tríplice Entente (França, Reino Unido e Rússia), em seguida, encontraram um porta-voz: Benito Mussolini, que dirigia o órgão do Partido Socialista, "Avanti!". Esta posição lhe rendeu expulsão de seu partido. Mas, em 14 de Novembro de 1914, financiado pela França, fundou outro jornal, "Il Popolo d'Italia". Ele conclamava, em 01 de Janeiro de 1915, para lançar uma "revolução contra a monarquia inerte" com o apoio da "Fasci Autonomi de rivoluzionaria Azione" (Fascistas autônomos da Ação revolucionária).

Em 23 de maio de 1915, reviravolta na Itália. Mussolini e seus fáscios não são grande coisa. Foi alcançado um acordo entre o governo italiano e a Tríplice Entente que, em caso de vitória, a Itália teria vantagens territoriais.

Resultados da guerra: o déficit público se multiplica por oito, e quando por seu lado, os industriais veem seus lucros aumentar em mais de 20%. Os italianos são submetidos à inflação e o desemprego. Nas fábricas do norte, havia 200.000 grevistas. Enquanto isso o Sul era bem agrário. Revoltas eclodem, lojas são saqueadas. Em vez de deixarem o Estado agir, os industriais e proprietários de terra chamam os esquadrões fascistas, sob o pretexto de "ameaça bolchevique". Os Fascistas italianos de combate, estabelecidos por Mussolini em 23 de marco de 1919 para substituir a "Ação Revolucionária Fascista", atacam os sindicatos e as Bolsas de trabalho.

"Controle da imprensa, instauração de uma polícia secreta, supressão do imposto sobre os lucros"

Até então, o "fascismo" era, segundo Mussolini, um "estado de espírito". Mas em 12 de novembro de 1921, foi fundado o Partido Nacional Fascista, cuja mistura de conservadorismo e nacionalismo satisfazia plenamente os círculos industriais. Eles subsidiam as organizações fascistas. As brigadas fascistas, que tinham cerca de 17 mil membros em outubro de 1919, pouco mais de três anos depois tinha mais de 300 mil.

"Perfil contínuo de Mussolini », de Renato Bertelli, 1933.
Renato Bertelli, source: Fondation Marinela Ferrari/DR
Para Mussolini, a hora de mostrar a força havia chegado. Em 28 de outubro de 1922, ocorre a marcha sobre Roma de seus camisas negras. Temendo uma guerra civil, o rei Victor-Emmanuel III se recusou a assinar o decreto que permitiria ao exército reprimir o golpe pela força. Em 30 de outubro de 1922, ele acata uma demanda de Mussolini para que constituísse o novo governo.

Uma vez que o Parlamento lhe deu todos os poderes, Mussolini, promovido à comandante (duce) da nação italiana, ataca as instituições democráticas. Controle da imprensa, criação de uma polícia secreta, prisões, assassinatos ... O poder econômico das classes dominantes é fortalecido. Os impostos sobre bens vendidos ou herdados, os lucros na capitalização financeira e sobre produtos de luxo são eliminados. As ações/participações do Estado em empresas são transferidas para empresas privadas.

A política social também é legalmente modificada. A semana de trabalho, que poderia exceder 50 horas, foi limitada a 40 horas em 1923. Uma organização de lazer, o "Dopolavoro", foi criada em abril de 1925. Em 1927, foi criado um programa de saúde pública. Mais a promulgação, no mesmo ano, de uma carta de trabalho, resultou em uma redução de salários de 20% para 2 milhões de trabalhadores.

La Padula et Romano
Construído entre 1938 e 1940 pelos arquitetos Guerrini, "La Padula et Romano",
o Palácio da civilização italiana é um monumento emblemático da arquitetura fascista. © Fotogramma/Ropi-REA.
Quando a crise econômica mundial atingiu a Itália, em 1931, Mussolini veio ao resgate de bancos em falência, uma medida que não teve efeito sobre o emprego. Em dois anos, quando vários milhões de italianos já haviam emigrado para encontrar trabalho, o número de desempregados passou de cem mil para mais de um milhão.

Com o regime fascista, aparece um novo tipo de ditadura. Em toda a Europa, diante da perspectiva de mudanças sociais que seus oponentes consideram como de "inspiração comunista", os grupos de ação são formados no modelo dos Fascistas de Combate.

Fonte: Le Monde diplomatique (Edição francesa)
https://www.monde-diplomatique.fr/publications/manuel_d_histoire_critique/a53170
Título original: Les origines patronales du fascisme italien
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 18 de julho de 2017

Para entender o mundo: livros (PDF)

Repasso abaixo dois posts com links de duas coleções de livros que foram bem difundidos no país (em PDF) sobre política. Se um dos principais problemas (se não for o central) do país é a falta de entendimento do povo sobre como funcionam as coisas, caso alguém tenha interesse, as duas coleções vem bem a calhar. Vou transcrever o texto dos posts abaixo e coloco os links pra download (provisoriamente, pois o certo é que o povo clique no link original e baixe de lá, pra dar mais visualizações ao site que lançou isso).
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"Coleção Primeiros Passos em PDF, para download"

"A série de livros Primeiros Passos é uma importante coleção da Editora Brasiliense que, há mais de 30 anos, reúne textos sobre diversos temas: O que é capitalismo? O que é filosofia? O que é racismo? O que é Cultura?

Lançada em 1970 e em formato de bolso, a coleção foi um sucesso, por exemplo, apenas durante o ano de 1999, vendeu meio milhão de exemplares… Tratam-se de textos curtos, porém concisos, sobre temas contemporâneos. Outra característica importante desta coleção é a indicação de uma bibliografia complementar disponibilizada ao final de cada volume, para aqueles que queiram se aprofundar no tema em questão.

Segue abaixo a lista de livros disponíveis em PDF e, mais abaixo, em azul, o link para o download das obras:
"

Link do post (o nome dos livros se encontram no link):
https://farofafilosofica.com/2017/04/15/colecao-primeiros-passos-completa-em-pdf-para-download/
Download:
Link1

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"Coleção Os pensadores| 55 livros para download"

"Dos pré-socráticos aos pós-modernos! Coleção “Os Pensadores -: 55 livros sobre os pensadores das principais escolas filosóficas em PDF, disponível para download.

A Coleção “Os Pensadores” é uma coleção de livros que reúne as obras dos filósofos ocidentais desde os pré-socráticos aos pós-modernos. O interessante desta coleção é que ela reúne em cada exemplar um pequeno apanhado sobre a biografia do autor em questão e um, dois ou três livros deste mesmo autor, normalmente os títulos mais conhecidos.

Publicada originalmente pela editora Abril Cultural, entre os anos de 1973/1975 era composta de 52 volumes. A edição que indicamos é de 1984 e é composta por 56 títulos, segue abaixo a lista de títulos disponíveis e mais abaixo (em vermelho) o link para fazer o donload dos livros em PDF:
"

Link do post (o nome dos livros/pensadores se encontram no link):
https://farofafilosofica.com/2017/02/16/os-pensadores-colecao-completa-55-livros-para-download/
Download:
Link2

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E pra quem ainda não viu (link fixo fica tanto no canto esquerdo superior como na parte destacada do blog, pra download) o ebook do Holocaust Controversies sobre o Holocausto (o texto está em inglês), pra baixar gratuitamente caso interesse (em PDF). Link abaixo do post:
(EBOOK) Belzec, Sobibor, Treblinka. Negação do Holocausto e Operação Reinhard. Uma crítica às falsificações de Mattogno, Graf e Kues

domingo, 2 de julho de 2017

Discurso de Himmler em Posen (Poznan), Polônia, 4 de outubro de 1943 (Extermínio)

Tradução do texto do site The Holocaust History Project que atualmente se encontra arquivado no site Phdn.org (site francês) porque o site original perdeu o servidor (ficou fora do ar) e o conteúdo se perderia ou as pessoas não teriam acesso mais ao conteúdo do site original.

Este é um dos problemas da internet, a "crença" de que esses textos ficarão pra sempre na rede sem que haja manutenção e algum fundo. A tradução do texto só foi possível justamente porque uma pessoa perguntou sobre o texto em um dos posts antigos e vendo os posts, vários links estão "mortos", incluindo o link original do THHP (The Holocaust History Project) em inglês.

O discurso completo tem 3 horas de duração, abaixo segue o trecho mais relevante (ou um dos) que consta do THHP. Na página do site (arquivado) consta o texto original em alemão e a tradução dele em inglês, abaixo segue a tradução pro português.
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Texto completo do discurso de Posen (Poznan)
Abaixo segue o texto completo da apresentação do Quicktime do discurso em Posen (Poznan) de Heinrich Himmler em 4 de outubro de 1943.

4 DE OUTUBRO, 1943

POZNAN, POLÔNIA

Reichsführer-SS Heinrich Himmler, o segundo homem mais poderoso da Alemanha nazista, fala aos oficiais da SS por três horas em um encontro secreto.

As gravações de Himmler sobreviveram à guerra. Está agora no "National Archives" (Arquivo Nacional) em College Park, Maryland.

O que você está ouvindo não foi editado.

Himmler finaliza falando sobre fábricas de armas.

Ele lembra a seus oficiais da lealdade que ele espera deles no extermínio dos judeus.
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"Eu também quero mencionar um assunto muito difícil para vocês aqui, de forma totalmente aberta.

Isso deveria somente ser discutido entre nós, e, portanto, nunca falaremos sobre isso em público.

Assim como não hesitamos em conduzir nosso serviço em 30 de junho, como ordenado, contra os camaradas que falharam em pé contra o muro atirando neles.

Sobre algo o qual nunca falamos, e nunca falaremos.

Ou seja, graças a Deus, um tipo de tato natural para nós, uma conclusão inevitável desse tato, que nunca conversamos a respeito entre nós, nunca falamos sobre isso, todos tremeram, e ficou claro para todos que, da próxima vez ele faria a mesma coisa de novo, se fosse ordenado e necessário.

Estou falando sobre a "evacuação judaica": o extermínio do povo judeu.

É uma das coisas que é facilmente dita. "O povo judeu está sendo exterminado", todos os membros do Partido dirão isto a vocês "de forma perfeitamente clara, isto é parte dos nossos planos, estamos eliminando os judeus, exterminando-os, ha!", um pequeno problema".

E então, todos eles virão, todos os 80 milhões de alemães corretos, e cada um deles tem seu judeu decente. Eles dizem: todos os outros são suínos (porcos), mas aqui este aqui é um judeu de primeira classe.

E nenhum deles têm visto isso, apoiou isto. A maioria de vocês saberá o que isto significa quando 100 corpos (cadáveres) ficam juntos, quando há 500, ou quando há 1000. E ter visto isso, e - com exceção das fraquezas humanas - permanecer decente, fez de nós pessoas duras e é uma página de glória nunca mencionada e nunca será mencionada.

Porque sabemos como as coisas difíceis seriam, se hoje em todas as cidades durante os atentados com bomba, os encargos da guerra e das privações, ainda tivéssemos judeus como sabotadores secretos, agitadores e instigadores. Nós provavelmente estaríamos no mesmo estágio de 1916-17, se os judeus ainda residissem no corpo (seio) do povo alemão.

Tiramos as riquezas que eles tinham, e dei uma ordem estrita, que o Obergruppenführer Pohl realizou, entregamos essas riquezas completamente ao Reich, ao Estado. Não tomamos nada deles para nós mesmos. Alguns poucos, que se ofenderam contra isso, serão [julgados] de acordo com uma ordem que eu dei no início: aquele que carrega um marco (moeda) disso é um homem morto.

Um certo número de homens da SS se ofenderam contra esta ordem. Não muitos, mas eles serão homens mortos - SEM CLEMÊNCIA! Nós temos o direito moral, nós tivemos o dever com o nosso povo para fazê-lo, para matar essas pessoas que queriam nos matar. Mas não temos o direito de enriquecer-nos com um só pelo, com um marco (moeda), com um cigarro, com um relógio ou com qualquer coisa. Que não temos. Porque no final disso, nós não queremos, porque exterminamos o bacilo (judeus), e não para ficarmos doentes e morrermos do mesmo bacilo.

Eu nunca verei isso acontecer, mesmo que um pouco de putrefação entre em contato conosco, ou que se enraíze entre nós. Pelo contrário, onde isto tentar se enraizar, vamos queimá-lo juntos. Mas, em conjunto, podemos dizer: realizamos essa tarefa tão difícil por amor a nosso povo. E não assumimos qualquer defeito (crise de consciência) dentro de nós, em nossa alma ou em nosso caráter."
Fonte: The Holocaust History Project/PHDN.org (EUA/França)
http://www.phdn.org/archives/holocaust-history.org/himmler-poznan/speech-text.shtml
Tradução: Roberto Lucena

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Morre o historiador e hispanista britânico Hugh Thomas

Desde 1994 era membro da "Real Academia de la Historia"
e em 2001 recebeu a "Gran Cruz de la Orden
de Isabel la Católica"
O historiador e hispanista bitânico Hugh Thomas faleceu este domingo em sua casa emn Londres, aos 85 anos, segundo informou o diário 'ABC', com o qual colaborava.

Thomas, nasceu na cidade de Windsor em 1931 e foi educado nas universidades de Cambridge (Reino Unido) e Sorbone (Paris), escreveu duas dezenas de obras, entre as que destacam "El Imperio español, de Colón a Magallanes" (O Império espanhol, de Colombo a Magalhães), "La conquista de México" (A conquista do México), "El Imperio español de Carlos V" (O Império espanhol de Carlos V) e "El señor del mundo: Felipe II y su imperio" (O senhor do mundo: Felipe II e seu império). Contudo, na Espanha é conhecido principalmente por conta de "La Guerra Civil Española" (A Guerra Civil espanhola), publicado pela primeira vez em 1961, revisada pela última vez em 2011 e traduzida para 15 idiomas.

Desde 1994 era membro da Real Academia de la Historia e em 2001 recebeu a "Gran Cruz de la Orden de Isabel la Católica". Também era, desde 2013, membro da "Real Academia Sevillana de Buenas Letras" e em 2014 recebeu a Gran Cruz de la Orden de Alfonso X el Sabio".

Europa Press

Fonte: Público (Espanha)
http://www.publico.es/culturas/muere-historiador-e-hispanista-britanico.html
Tradução: Roberto Lucena

Observação: pra não passar em branco, uma vez que não foi possível publicar na ocasião, há mais de um mês atrás. O livro "A guerra civil espanhola" foi lançado no Brasil décadas atrás, é razoavelmente conhecido (do público que lê sobre segunda guerra). Não lembro se o livro foi relançado.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Relatórios contemporâneos de assassinatos na URSS que incluíam crianças

O que se segue é apenas uma amostra de relatórios onde a matança de crianças está incluída ou claramente implícita. Mais surgirá no devido tempo. A estas também devem ser adicionadas às numerosas ações do Relatório Jaeger que incluíam crianças, e a atualização de Jaeger de 02.09.42 que deu um total de mortos de 34.464 crianças. Podemos também considerar o elevado número de referências a lugares "livres de judeus" (por exemplo: EM 88, EM 133, EM 150) como sendo inclusive de extermínio de todas as crianças.

1) Massacre em Sculeni pelas forças romenas, julho de 1941: "todos os Yids que permaneceram nesta aldeia ... foram executados de acordo com ordens de cima" (citado em Deletant, pág. 144-145, veja também este vídeo de testemunhos)."

2) Vileyka, massacre pelo EK 9, aproximadamente em 30 de julho de 1941, relatado em TuLB 2: "Em Wilejka toda comunidade judaica tinha de ser liquidada (Klein (ed.), pág. 136, Kay, pág. 163n.22).

3) Bila Tserkva: "[Riedl] afirmou foi que ele considera o extermínio das mulheres e crianças judias como absolutamente necessário, independentemente de como isso deva ser feito [Groscurth, 295a divisão de infantaria, 8/20/41]."

4) Kamenets-Podolsky: 23.600 judeus (EM 80)

5) Kiev: 36.000 judeus (EM 106 and EM 128)

6) Mogilev: 3.726 judeus de ambos os sexos e todas as idades (EM 133)

7) Gorki: 2.200 judeus de todas idades (EM 133)

8) Thomas, líder do Einsatzgruppe C: "O extermínio dos judeus, que são, sem dúvida, inúteis como trabalhadores e mais prejudiciais como portadores da bacilos do comunismo, era [inevitavelmente] necessário [EM 133, 14/11/41]".

9) Shumyachi 16 crianças russas e judeus doentes mentais (EM 148)

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2017/04/contemporary-reports-of-killings-in.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: Contemporary Reports of Killings in the USSR that included Children
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Donald Sassoon. "Mussolini e a ascensão do fascismo" (livro) - Vídeo

O Denilton mencionou noutro post da série "Nazismo de esquerda?" o autor (Donald Sassoon) de um livro e fui dar uma olhada no título e nome do autor (o nome não era estranho), e há um post no blog sobre o livro dele acerca da ascensão do Fascismo, a quem quiser (re)ler o texto, eis o link:
Resenha: Mussolini e a ascensão do fascismo (livro)
http://holocausto-doc.blogspot.com/2014/10/resenha-mussolini-e-ascensao-do-fascismo-livro-sassoon.html

A quem quiser ler mais sobre o livro, outro link (no Scielo):
SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do fascismo (História vol.28 no.2 Franca 2009)
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742009000200033

Mas acabei achando mais este vídeo deste canal no Youtube, Leitura ObrigaHISTÓRIA, em que aborda o livro do Sasson sobre a ascensão do Fascismo na Itália, e que acaba mencionando um tema "espinhoso" pros ditos "liberais" brasileiros que negam as ligações dos liberais do passado com os fascistas e fascismo, que é justamente a origem (causa) desta panfletagem do slogan "Nazismo é de esquerda".

O comentário acima fui eu que fiz sobre partes do vídeo, não tirem conclusões precipitadas sobre o vídeo sem assisti-lo. Digo isto porque muita gente só de ler um comentário, no qual discorde, já dá "chilique" e acaba por não querer assistir/ver o vídeo, e vale a pena vê-lo. A quem quiser ver de onde começa a questão que eu mencionei, pelo menos no blog (mais ou menos, há mais de um post sobre a questão), ler esses posts de 2014 (ambos os livros abaixo não possuem tradução pro português):
Ishay Landa - "O Aprendiz de Feiticeiro: a Tradição Liberal e o Fascismo" [O elo "perdido" dos liberais com o fascismo] (livro)
http://holocausto-doc.blogspot.com/2014/12/ishay-landa-o-aprendiz-de-feiticeiro-a-tradicao-liberal-e-o-fascismo-o-elo-perdido-dos-liberais-com-o-fascismo-livro.html
As divisões da Direita Norte-americana: Direita Anticomunista, Racista, Cristã e Neoconservadora
http://holocausto-doc.blogspot.com/2014/09/as-divisoes-da-direita-norte-americana-direita-anticomunista-racista-crista-e-neoconservadora.html

A quem não assistiu o vídeo, basta clicar na tela abaixo no próprio post e ver. Há outro vídeo do mesmo canal em que aborda a conceituação de fascismo, deixo este outro vídeo no fim do post.

#022 Mussolini e a ascensão do Fascismo, de Donald Sassoon


O outro vídeo sobre a conceituação do fascismo:
O que é Fascismo? - Conceitos Históricos

sexta-feira, 31 de março de 2017

Nazismo de esquerda? (Mark Mazower) O que os Historiadores nos dizem sobre o Nazismo SER de (extrema) Direita - Parte 04

Dando continuidade à série "Nazismo de esquerda? O que os Historiadores nos dizem sobre o Nazismo SER de (extrema) Direita" (onde irei incluir textos históricos de peso de jornalistas também, vide o do William Shirer, em alguma sequência), quem perdeu a origem (de onde saiu a ideia) da série, ler aqui.

Seguem trechos do livro do Mark Mazower mostrando a mesma coisa dos outros posts, o nazismo na extrema-direita. Eu já adianto, como já disse antes, que considero vexatório ter que fazer um texto sobre isso porque considero essa discussão batida, beirando o ridículo, só em um país dominado por um "analfabetismo político" (e funcional) fora do comum é necessário se chegar a um extremo de ter que mostrar o óbvio (porque os que panfletam bobagens só "leem" sites toscos da extrema-direita liberal que é quem panfleta essa asneira no país, como filial, já que a matriz fica nos EUA), quem afirma que nazismo é de "esquerda", "extrema-esquerda" etc está só panfletando, fora o "nível" de argumentação e discussão que esse pessoal usa pra "justificar" essa baboseira (o povo que critica o "tom" nunca deve ter visto as baboseiras que temos que ler sobre isso, fora os "elogios" recebidos, vulgo "xingamentos"), com esse pessoal rotulando até gente de direita (que chama o nazismo pelo que é, de extrema-direita) como "esquerdistas que foram doutrinados pelo gramscismo" (risos).

Estou "rindo" (aspas) pra não chorar, mas... essa cretinice militante no país preocupa, é só ver os resultados da coisa com o caos que essa gente lançou o país, com a 'anuência' (concordância velada ou não) da outra parte que ficou inerte só "assistindo" o agravamento do caos começado em 2013, na "esperança" sabe-se lá de quê (golpe de estado, perda de direitos trabalhistas, terceirização irrestrita, destruição da previdência social etc), coisas que afetam até esse pessoal que agora está 'meio perdido' sem saber o que fazer ou no que se meteram. É o velho dito, não se mete em briga de "cachorro grande" sem saber o que está por trás da 'peleja', sem saber qual o embate ideológico que atravessa décadas no país que é o implante do [neo]liberalismo e sucateamento do Estado brasileiro pra manter o caráter 'subdesenvolvido' do Brasil como "país periférico", neocolonizado e área de exploração externa, e o povo do país consequentemente "que se dane", pois é só um "detalhe" pra esses grupos de pressão e seus apoiadores (igualmente lacaios).

Mark Mazower: É professor de história da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e do Birkbeck College de Londres. Lecionou também em Sussex (Inglaterra) e Princeton (EUA). Escreve sobre assuntos internacionais para o Financial Times. Ganhou o prêmio Bentinck por Continente sombrio: a Europa no século XX. (descrição tirada do site da Cia. das Letras, quem publicou o livro em português).

Livro: O império de Hitler (A Europa sob o domínio nazista)
Título original: Hider's Empire: Nazi Rule in Occupied Europe

Pág. 80

A preocupação com o sofrimento dos “alemães no estrangeiro” não estava confinada às agrupações paramilitares extremistas ou aos teóricos de perfil nazista. Os poloneses tiveram espetacular êxito na “desgermanização” dos domínios que antes haviam sido prussianos. Assentaram dezenas de milhares perto de Gdansk e construíram um porto rival nos arredores. E a saída de muitos alemães trouxe mudanças drásticas no equilíbrio da população. Em Poznan/Posen, os alemães constituíam apenas 2% da população em 1930, em comparação com os 42% em 1910; em Bydgoszcz/Bromberg, essa proporção caíra de 77% para 8,5%. Em Weimar havia uma preocupação generalizada com os refugiados alemães e um grande apoio às instituições culturais e às associações de assistência social que tinham por objetivo fortalecer a “germanidade”. A venerável Verein fiir das Deutschtum im Ausland (v d a ) — que distribuía recursos estatais e privados para as escolas das minorias alemãs e outras organizações — tinha mais de 2 milhões de associados. A v d a era uma organização oficial, mas também se referia aos governos estrangeiros de maneira hostil, como se travassem uma guerra contínua de extermínio cultural contra os alemães no estrangeiro. Visões mais radicais prosperavam nos novos institutos de pesquisa para o estudo do' Volksdeutsche.1

Pág. 103-104

Mesmo assim, sob o governo de Tiso os políticos católicos conservadores da Eslováquia exploraram com habilidade o pouco espaço de manobra que obtiveram. Tirando vantagem da relutância de Berlim em abandonar sua postura de libertador, eles criaram um sistema político mais autoritário do que propriamente nazista e marginalizaram sua extrema direita. Obrigaram os alemães a duras negociações antes de permitir que usassem a Eslováquia para deslocamentos contra os poloneses e, embora representassem de bom grado uma legislação antissemita alinhada com o exemplo alemão, nem por isso se interessaram em implementar um cunho racial em suas leis internas. Dessa forma, a Eslováquia tornou-se um modelo da Nova Ordem de várias maneiras. Os alemães nunca se sentiram tão seguros quanto gostariam a respeito dos eslovacos. Embora a maioria visse a Eslováquia como um Estado fantoche, alguns dirigentes de Berlim consideravam o país um exemplo do que poderia acontecer quando se permitia que "pequenas nações" tivessem liberdade demais.15

Págs. 107-108

Não havia nada de especificamente nazista em enaltecer uma guerra para reparar as mágoas de Versalhes, pois a maioria dos alemães apoiava essa atitude. O que era característico do regime — e aliás dos que apoiavam os militares — era o extremismo de seus planos para transformar o conflito numa dura luta racial contra os poloneses. Manuais de treinamento apresentavam aos soldados um retrato negativo dos poloneses, e agora seus superiores confirmavam aquilo. “Soldados da 21- Divisão! Isto é pela honra e pela existência da pátria”, proclamou um general às vésperas da invasão.
A Prússia Oriental está em perigo [...] Marcharemos pela antiga terra alemã que nos foi arrancada pela traição de 1919. Nessas antigas regiões do Reich nossos irmãos de sangue sofreram uma assustadora perseguição! Este é o espaço vital do povo alemão.20
Pág. 149

Embora os nazistas tivessem planejado tratar a Noruega da mesma maneira, a invasão do país foi uma tarefa muito mais difícil, tanto militar como politicamente. Depois de um ataque de surpresa que fez Oslo cair em mãos alemãs, os noruegueses reagiram com determinação. Para complicar as coisas, Vidkun Quisling — um radical de extrema direita que tinha pouco apoio no país — aproveitou a oportunidade para declarar a formação de um governo provisório chefiado por ele mesmo. Hider simpatizava com suas ideias, mas o afastou e nomeou em seu lugar, como comissário do Reich, um antigo companheiro do partido. O homem que ele escolheu, Josef Terboven, já era governador provincial da Renânia, onde gozava merecida reputação por sua crueldade. Havia recebido a Cruz de Ferro na Primeira Guerra Mundial, antes mesmo de abandonar a universidade, de participar do Putsch da Cervejaria em 1923 e de se casar com uma ex-secretária de Goebbels. Tendo se mudado para a residência do príncipe herdeiro (onde se suicidou cinco anos mais tarde explodindo uma bomba), o rude Terboven não tinha os dotes de persuasão necessários para convencer os abalados deputados noruegueses a formar um novo governo pró-alemão. O presidente do Parlamento chegou a pedir que o rei Haakon abdicasse, mas este, irritado, recusou o pedido e fugiu para Londres, onde formou um governo no exílio. Enquanto isso, o interregno político em Oslo se arrastava. No fim de setembro Terboven perdeu a paciência: aboliu unilateralmente a monarquia, dissolveu todos os partidos, exceto o Nasjonal Samling (n s , Partido da União Nacional) de Quisling, e anunciou a formação de uma comissão estatal majoritariamente composta de membros do n s para governar o país. Foi um ruidoso tapa na cara da classe dirigente do país e desde o início condenou o novo governo à ilegitimidade. Embora a população fizesse muitas críticas ao rei por ter fugido, Quisling era muito mais detestado, e virtualmente toda a Noruega estava contra ele.

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A realeza italiana foi esperta em ficar de fora: o reino de terror da Ustase (Ustasha) que se impôs explicou amplamente por que em geral os alemães evitavam ceder poder para extremistas de direita. Dos 6,3 milhões de habitantes do novo Estado, apenas 3,3 milhões eram croatas: havia 1,9 milhão de sérvios, 700 mil muçulmanos, 150 mil alemães e 40 mil judeus. Mesmo assim, a Ustase empenhou-se em erradicar com violência os não croatas, em especial a influência no país dos sérvios e judeus. O governo proibiu o uso do cirílico, legalizou o confisco de propriedades de judeus e impôs uma nova lei de nacionalização. Ao mesmo tempo, esquadrões paramilitares embarcaram numa campanha de massacres contra sérvios, judeus e ciganos, e por mais de um mês, até que protestos dos alemães obrigaram uma breve desaceleração, as unidades da Ustase faziam um massacre atrás do outro, às vezes visando sérvios notáveis, mas em outras ocasiões, principalmente na Herzegóvina do Norte, chacinando comunidades inteiras com cenas grotescas de violência e sadismo. Quando as prisões ficaram superlotadas, uma série de campos de concentração foi construída ao redor de Jasenovac, perto do rio Sava, que logo se tornou um notório centro de matanças. Em junho, proeminentes servo-croatas apelaram ao governo sérvio em Belgrado para que os alemães interviessem. Eles não sabiam que Hitler já tinha se encontrado com Paveüc em seu retiro de Berchtesgaden e o havia instado a continuar sua política de "intolerância nacional” por cinquenta anos.50

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O uso de punições coletivas para forçar populações a obedecer foi reforçado quando comandantes de campo sentiram, tão nitidamente quando da ocupação da União Soviética e dos Bálcãs, que estavam com pouco pessoal e forçados ao limite. A essa altura, considerações de prestígio, semelhantes às presentes nas campanhas coloniais lutadas pelos italianos e outros, levaram a caminhos de represálias horríveis. O Exército italiano estava obedecendo a ordens nos massacres da Etiópia de 1937 e na "pacificação” de Montenegro em 1941. Assim como os húngaros em Novi Sad e os búlgaros em Drama. Algumas vezes os aliados dos alemães podem ter se sentido chocados com a brutalidade da Wehrmacht na Ucrânia e na Bielorrússia, mas não reagiram de maneira muito diferente ante a ameaça de seus próprios opositores. A inconfortável verdade é que a guerra de contrainsurgência era mais resultante do produto de certo estilo de luta europeu que do próprio nazismo. A tecnologia havia mudado nas décadas anteriores, mas em outros aspectos eles estavam lutando no mesmo espírito e seguindo as mesmas regras estabelecidas em suas campanhas coloniais e durante a Primeira Guerra. Claro, havia uma diferença crucial: no passado, autoridades civis às vezes conseguiram exercer uma influência moderada sobre as militares — como fizeram, por exemplo, na Sérvia ocupada em 1917. Sob os nazistas, os extremistas eram os civis, sempre instando seus soldados a perder a inibição e aumentar o nível do terror. Diante da ameaça dos partisans, a Wehrmacht em particular perdeu de vista até mesmo as poucas restrições que em outra época inibiram seus predecessores.60

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A ideia de colaboração convida a pensar na relação da França com os alemães. Mas isso só levanta a questão de quem representava a França. Pois os conflitos entre as diferentes agências alemãs em Paris — por mais intensos que fossem — empalideciam em comparação com a desunião na própria França. Se o país não estivesse tão amargamente dividido na época da invasão, a ocupação teria seguido um rumo muito diferente, como mostra o exemplo da Noruega. Na verdade, muitos integrantes da direita francesa saudaram o colapso da democracia parlamentar e viram a ocupação como a oportunidade de acertar contas de décadas com a esquerda — do tempo do caso Dreyfus e talvez mesmo da Revolução. Mas só em relação à Frente Popular é que se tratava de um grupo organizado em algum sentido. Alguns oponentes da Terceira República admiravam e adoravam os ocupantes, enquanto outros os odiavam. Muitos apoiavam Pétain, pelo menos por algum tempo, mas havia os que o detestavam e esperavam que os alemães o eliminassem em favor de uma alternativa mais radical de extrema direita. A história do colaboracionismo parece mais uma complicada briga de família que a guerra de conquista da Alemanha expôs e tornou muito pior, e explica por que a ocupação representava tamanha ameaça à unidade nacional e continua a ser assunto tão sensível até hoje.2

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Os ultras estavam agitados — especialmente quando Heydrich e a SS começaram a voltar sua atenção para a França — e eram muito mais extremistas que Déat. Eugène Deloncle era oficial condecorado da artilharia, um personagem sombrio, instável e violento da periferia do fascismo francês de antes da guerra cuja organização paramilitar e antirrepublicana Cagoule fora apoiada na década de 1930 pelos executivos direitistas da gigante dos cosméticos UOréal. Cauteloso, o comandante militar alemão em Paris havia “tolerado”, mas não “autorizado”, o Mouvement Social Révolutionnaire (m sr), sucessor da Cagoule, cuja bandeira era “a construção de uma nova Europa juntamente com a Alemanha nacional-socialista e todos os outros países europeus libertados do capitalismo liberal, do judaísmo, do bolchevismo e da maçonaria”. O m sr — que prezava tanto proclamações quanto as outras agrupações políticas da ocupação — queria regenerar a França “racialmente”, para evitar que judeus “contaminassem” o sangue francês, e criar uma economia socialista. Saquear as propriedades dos judeus era um estímulo adicional, como também, apesar do suposto compromisso com o socialismo, o apoio contínuo da L'Oréal. Mas quando Deloncle tentou tomar de Déat o controle sobre o RNP, os dois acabaram enfraquecidos pelo conflito interno.

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Os conflitos internos entre as agências alemãs em Paris eram igualmente ferozes. Deloncle também foi apoiado pela SiPo/SD . Equipados com os explosivos que ela lhes fornecia, seus homens tentaram dinamitar sete sinagogas em Paris na noite de 2-3 de outubro de 1941. Seis dos edifícios foram danificados, juntamente com outros ao redor; dois soldados alemães e inúmeros residentes franceses estavam entre os feridos. Quando a polida militar investigou as explosões, o SD tentou encobrir sua participação, alegando que aquilo não passava de “uma história de judeu”, e houve um choque frontal com o comandante militar da Wehrmacht, que logo descobriu a ligação quando um dos assessores de Deloncle, embriagado, alardeou os fatos numa casa noturna de Paris. O general Von Stülpnagel exigiu a retirada dos dois altos oficiais da SS em Paris e impediu que Deloncle fosse se juntar a seus homens na frente oriental. O caso abriu um fosso entre a Wehrmacht e a ss que afinal deu a Heydrich a abertura para tomar o comando do policiamento na França e nomear seu próprio HSSPF na primavera seguinte. Quanto a Deloncle, ele perdeu o controle sobre o m sr , envolveu-se em contatos com agentes secretos aliados e acabou sendo morto numa troca de tiros com a Gestapo em janeiro de 1944. Não foi um fim atípico no torturado mundo do extremismo francês.8

Págs. 492-493

Céline não foi o único escritor renomado a cultuar o fascismo. O jornalista e crítico Lucien Rebatet publicou uma diatribe violenta e antissemita chamada Les Décombres [As ruínas] contra os responsáveis pela queda da França, elogiava a cultura alemã e via um "profundo significado político” no disciplinado estilo da Orquestra de Câmara de Berlim. Na direção da prestigiosa Nouvelle Revue Française, o escritor Drieu La Rochelle imprimiu-lhe uma linha antidemocrática e pró-alemã e sonhava com uma "terceira via” europeia fascista, entre os Estados Unidos e a ameaça do bolchevismo. O mesmo fazia Robert Brasillach, outro brilhante e jovem literato extremista, que considerava os franceses "um povo absurdo e medíocre” e insistia em louvar os jovens alemães e criticar os velhos senis que ostentavam cargos em Vichy. Seu fascínio por um belo e jovem professor do Instituto Alemão teve um trágico desfecho quando este foi morto em ação na frente oriental. Visitando a floresta de Katyn como jornalista, ele se recordou do amigo e saudou sua amizade como a expressão de uma Europa rejuvenescida que derrotaria tanto a complacência burguesa como "as forças do Leste”. Para Brasillach, Pétain e Vichy tinham chegado a um beco sem saída e, à medida que a colaboração entrava em colapso, passou a confiar exclusivamente nos alemães. A queda de Mussolini o comoveu profundamente e parecia anunciar o fim de seu
ideal de uma Europa fascista: "Uma França fascista numa Europa fascista, que belo sonho!”. Mas, à diferença de muitos outros ultras, ele se recusou a abandonar suas convicções. Mesmo nos dias sombrios do fim de 1944, quando viu que os ventos sopravam na direção "do templo da paz universal, da irmandade imposta a todas as raças e credos”, Brasillach ainda acreditava que o fascismo tinha sido "a verdade mais emocionante do século XX”.10

Aquela era a perspectiva ultra, mas certamente não a de Cocteau: ele não era um extremista e valorizava mais a sociedade e a sociabilidade que a ideologia. "Eventos me entediam”, confidenciou o poeta Valéry a Gerhard Heller por volta dessa época. "Os eventos são a espuma das coisas. É o mar que me interessa.” No que dizia respeito à política, os sentimentos de Cocteau eram muito semelhantes. A situação foi ficando sombria à medida que amigos fugiam do país ou passavam à clandestinidade. Alguns escreveram cartas angustiadas antes de ser presos e deportados, e um ou dois se suicidaram. Junto com Picasso, em 1943 Cocteau foi ao enterro do pintor exilado judeu Chaim Soutine, um ato de solidariedade para com um homem que tinha morrido fugindo da Gestapo. Sua vida social, no entanto, mantinha o ritmo frenético. Encantava-se, como tantas outras vezes, com a "beleza prodigiosa” de Paris — os alemães que apareciam para lhe prestar homenagens, os visitantes da zona livre, sempre "estupefatos pela cidade”, os restaurantes "que vendem de tudo o que supostamente está proibido”; os caçadores de autógrafos perseguindo estrelas e atores de cinema nas ruas. "Como os alemães devem se espantar com esta primavera”, divertia-se ele em maio de 1942. "Essas flores, esses chapéus femininos, esses pequenos carrinhos puxados por equipes de ciclistas, pela incrível graça da resistência do ar! Paris digeretudo e não assimila nada. Um espetáculo de profunda leveza.. .”11

Págs. 494-495

O próprio Cocteau tinha muito pelo que se sentir grato. Era o patrocínio alemão que o protegia dos extremistas franceses. Não particularmente interessado na política, ele demonstrou com que facilidade um espírito independente podia se dedicar às artes sob a ocupação alemã — na verdade, com sustento alemão. Com a aprovação dos censores, sua carreira no cinema durante a guerra decolou. Quando um artigo que o atacava apareceu numa revista de extrema direita, Cocteau observou que "todos os alemães riram do texto". À parte os ultras, a carreira de Cocteau tinha um lugar para quase todos, até mesmo o maréchal, cujo regime o atormentava. Em 1942, ele deu sua contribuição para uma luxuosa
obra de idolatria de Vichy, um livro de homenagem póstuma intitulado DeJeanne D ’Arc a Philippe Pétain [De Joana d'Arc a Philippe Pétain]. Com o subtítulo Quinhentos anos de história francesa, o livro suntuosamente ilustrado apareceu no momento certo para a visita do maréchal a Paris. A ocupação se aproximava do fim, mas Pétain ainda era popular e recebeu uma calorosa recepção. Como tema de guerra, Joana d'Arc era muito conveniente — dada a ambigüidade de suas associações — para a guerra particular de Cocteau: um símbolo de sentimento antibritânico, especialmente depois do desastre de Mers-el-Kebir. Quando o livro surgiu, em 1944, a própria Joana já tinha passado para o lado gaullista como um exemplo de resistência ao invasor. Cocteau não ficava muito atrás.13

Pág. 499-500

Essa continuidade foi de certa forma bastante inesperada. Afinal, Vichy não era um país dirigido por funcionários públicos, como a Bélgica e a Holanda: na França havia um governo legítimo, com um programa político claro de ruptura com o passado. Mas Pétain (como De Gaulle quatro anos mais tarde) tinha todas as razões para preservar a existência das instituições do Estado se quisesse governar com eficácia. Por isso os expurgos produziram menos mudanças do que se poderia esperar, e os extremistas de direita se queixaram amargamente: em 1944, Mareei Déat criticou a “comuna reacionária” da capital, alegando que seus membros eram profundamente attentistes, para não dizer gaullistas. Fossem ou não gaullistas, quase 80% dos prefeitos dos subúrbios de Paris durante a guerra eram republicanos antes do conflito. Quanto às zonas rurais, foram desestimuladas mudanças por motivos puramente políticos: os alemães também temiam o impacto sobre a eficiência e a continuidade. Na Aquitânia e em Charente, por exemplo, quase metade dos funcionários governamentais locais que tinham cargos em 1939 ainda estava presente quando a ocupação terminou.19

Assim, a promessa de Vichy de uma nova revolução autoritária mascarava a realidade de sua dependência do funcionalismo público civil. Naturalmente, os burocratas podiam — e o fizeram — servir como instrumentos de repressão, notadamente nas prisões em massa de judeus e de opositores políticos. Mas em geral não se mostravam propensos a aderir ao dinamismo revolucionário exigido pela extrema direita da França. O culto a Pétain escondia o vazio político no coração de seu governo, e sua recusa em permitir a formação de um único partido político ironicamente fez com que os funcionários franceses nunca se deparassem com algo semelhante à competição radical que os Gauleiters nazistas infligiram a seus pares alemães, ou que o nsb holandês usou — com muito menos sucesso — em seu esforço para assumir o controle do funcionalismo público civil na Holanda. Dessa forma, ter o conservador Pétain no poder protegeu a França do tipo de nazificação que ameaçava outros países, pelo menos até que fosse demasiado tarde na guerra para que fizesse muita diferença. Aumentando o controle sobre as províncias, criando um novo escalão de superprefeitos, impedindo que a maioria dos novos comissariados políticos especialmente formados tivesse grande influência, os altos funcionários franceses presidiram durante a guerra uma expansão da burocracia e uma consolidação do poder estatal que Wilhelm Stuckart, no Ministério do Interior do Reich, teria invejado. Os alemães podiam ter conquistado a França, mas o Estado francês sobreviveu mais ou menos intacto.

Pág. 510

A longevidade de tais figuras oferece uma pista para compreender a dinâmica da colaboração na França durante a guerra. Os franceses não foram um país de colaboradores, embora de início muitos tenham sido atraídos pela ideia. No começo o governo de Pétain foi popular porque parecia prometer o restabelecimento da ordem depois do caos da derrota. Os mais impacientes com ele eram da extrema direita, que desconfiavam que sua Revolução Nacional era na realidade uma restauração conservadora disfarçada, e não a ruptura fascista que almejavam com o passado. Mas no fim de 1941, no máximo — a crise dos reféns foi um ponto de inflexão, mas a crise do abastecimento alimentou o conflito —, o público francês tinha se afastado de Vichy. fA opinião geral parece ser muito desfavorável ao governo”, relatou o governador de Puy de Dome em outubro daquele ano. Cada vez mais afastada da opinião pública francesa, a administração permaneceu fiel aos ideais de colaboração e respondeu de forma positiva aos alemães mesmo quando estes aumentaram muito suas exigências. Enquanto isso, um grande número de seguidores de Pétain entrou para a resistência de uma forma ou outra, garantindo assim uma passagem sem sobressaltos para a Quarta República no pós-guerra. 33

Pág. 563

Se esse foi um exemplo para levar o Exército Nacional a aumentar suas ações, havia outros fora de Varsóvia, pois a atividade da resistência agora se alastrava pelos campos do centro da Polônia. Um ano depois de Hitler ter aprovado seu Plano Geral para o Leste, as prioridades de Himmler tinham mudado drasticamente. No verão de 1943, ele declarou todo o Governo-Geral como uma "zona de guerra partisan” (Bandenkampfgebiet). Instadas por ele a "queimar aldeias inteiras se necessário”, a ss e a polícia, reagiram com as costumeiras táticas de terror, deixando milhares de mortos. Porém, dentro da SS havia sérios desacordos, e Von dem Bach--Zelewski insistia em que "nenhum país pode ser governado apenas com o uso da polícia e das tropas”, e tentou forçar uma política mais astuta (semelhante a outras levadas a cabo nos Bálcãs), que explorasse o anticomunismo dos poloneses e os trouxesse para o lado alemão. A SS esperava poder apelar para o Exército Nacional, cujo comandante, "Grot”, tinha sido capturado por eles em junho; mas sua recusa em cooperar (o que levou à própria morte) significou que eles tinham de se conformar em trabalhar — nos bastidores, e de maneira intermitente — com as Forças Armadas da Polônia (NSZ), menos expressivas e de extrema direita.

Págs. 575-576

As repercussões foram imediatas e duradouras. A violência convenceu Stálin de que poloneses e ucranianos não podiam viver juntos, e Moscou começou a planejar uma série de mudanças forçadas de população entre 1944 e 1947. Na vizinha Galícia, os poloneses agora se voltavam contra os ucranianos por vingança, e o embrionário movimento partisan polonês foi inflado por refugiados de Volínia. Esse movimento depois se espalhou não apenas para o oeste na direção da Polônia Central, mas também para o norte em direção a Vilna e para outras regiões do leste da Polônia de antes da guerra onde os poloneses eram minoria e precisavam se defender. Ao mesmo tempo, o fracasso do Exército Nacional em Volínia encorajou muitos poloneses a preferir procurar os partisans soviéticos. Assim como os ucranianos, os poloneses estavam agora entre os russos e os alemães, e era difícil evitar certos acordos. Tanto os comandantes de extrema direita das n s z como do Exército Nacional negociaram acordos temporários com oficiais da ss alemã e da Wehrmacht para evitar a “ressovietização" da região. (Embora Himmler proibisse esses acordos, eles aconteciam de qualquer forma em pequena escala.) Porém, outros comandantes do Exército Nacional cooperaram com os partisans soviéticos, reconhecendo a futilidade de se opor a eles. Tanto os poloneses como os ucranianos tinham esperança de ver um mundo no qual eles conseguissem abrir um espaço próprio, independentemente dos dois poderes igualmente totalitários. Mas esse mundo precisaria de muito mais que alguns anos para se materializar.61

Págs. 643-644

Para deixar as coisas em perspectiva, pode ser útil lembrar como era a situação aos olhos dos pequenos grupos de nazistas que se recusaram a transigir. Depois da guerra, pequenos grupos marginais, geralmente efêmeros, atacaram tanto americanos como soviéticos e reciclaram ideias tiradas dos escritos de Hitler de trinta anos antes. Também reagiram violentamente contra os movimentos europeístas que se tornavam visíveis na Europa Ocidental do pós-guerra. Karl-Heinz Priester, um antigo oficial da SS que assumiu um papel ativo na extrema direita, apareceu na primeira reunião dos neofascistas europeus em Roma em 1950 e advertiu:
Quanto mais esses homens que dizem amém a tudo nos apressarem para converter não apenas nossa pátria materna, a Alemanha, mas também nossa pátria paterna, a Europa, numa colônia [...] mediante dispositivos como o Conselho da Europa e a “União Europeia” [...] mais depressa aumentará a determinação de todos os alemães honestos e independentes de nos acompanhar em nosso caminho do nacionalismo até a Nação Europa.30
Até mesmo nazistas como Priester poderiam ver que, na era das superpotências, a Alemanha não tinha poder para recuperar sua independência sem apoio regional. Assim, a Nação Europa era a alternativa dos extremistas para Bruxelas e Estrasburgo, uma espécie de versão em tempos de paz das Waffen-ss “europeias” de Himmler. Não obstante, tais homens consideravam a democracia parlamentarista uma falsa "democratura” (Demokratur), acreditavam que o sistema multipartidário tinha de ser abolido e queriam reunificar o país com a ajuda de fascistas estrangeiros que pensavam como eles. Ignorados pelos eleitores, brigavam constantemente entre si, acusando-se mutuamente de vender-se ou transigir na questão racial. Alguns fundaram no ano seguinte o movimento Nova Ordem Europeia para lutar contra o “bolchevismo mongoloide” e o “capitalismo negroide” em nome dos homens brancos. Outros pensaram em atrair nacionalistas
africanos e forjar uma nova Euráfrica, que permitiria à Europa recuperar sua posição no centro da cena mundial.31


Págs. 659-660

Essa postura implacável com certeza estava presente entre os ingleses. Na ocasião do levante da Jamaica de 1865, por exemplo, expressões de um novo autoritarismo racial surgiram na imprensa vitoriana. Segundo o editor da publicação médica The Lancet, pequenos grupos de homens brancos só poderiam se salvaguardar em colônias pelos métodos mais coercitivos; os nativos tinham de “ser mantidos sempre de cabeça baixa com um bastão de ferro ou ser lentamente exterminados". Essas ideias expressavam a possibilidade inerente na prática do próprio império e os britânicos estavam começando a perceber que o “poder dos números" estava contra eles. O tio de Virginia Woolf Fitzjames Stephen escreveu uma famosa carta ao The Times em 1883 afirmando que “um governo absoluto, fundado não no consentimento mas na conquista" — como o dos britânicos na índia —, representava uma “civilização beligerante” que não deveria “se evadir da afirmação aberta, descomprometida e direta de sua superioridade”. Mas essa não era a linha de raciocínio costumeira na Inglaterra, e sempre foi sujeita a críticas. Em última análise, essa foi a base do império de Hitler. Por mais brutais e mortíferos que tenham sido, nenhum poder colonial, britânico ou de outro país da Europa, jamais lidou com o problema do “poder dos números” de forma tão áspera e violenta quanto os nazistas. Sua abordagem em geral era gradualista e experimental, motivada por uma imaginação política restrita pelo extremismo da variedade de fatores do nazismo, que incluía uma cultura mais legalista e uma burocracia de Estado surpreendentemente desmotivada. Se faltavam a ideologia e os recursos para sistematizar a matança em massa na escala da Nova Ordem, faltava também um fundamental sentido de urgência. Depois de conseguirem sua revolução em casa, os nazistas tinham pressa de colher os benefícios no exterior. “Nós queríamos estabelecer um império mundial quatro anos depois de termos introduzido o alistamento militar geral”, foi o resumo de um oficial alemão capturado em 1943. À medida que a própria guerra criava racionamentos, gargalos e grandes problemas novos, o culto da força e da geopolítica racial que os nazistas levavam tão a sério transformou-se num programa de extermínio numa escala sem precedentes.28

|***| Nazismo de esquerda? (Ian Kershaw) O que os Historiadores nos dizem sobre o Nazismo SER de (extrema) Direita - Parte 03

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